Se há tema transversal a tudo o que escrevo, e estruturante de tudo o que penso, é a liberdade. Não abdico de ter opinião, gosto de tomar posição, bato-me pelas ideias que adopto conscientemente. Discordo de muita gente, por vezes da maioria, elejo adversários, critico com maior ou menor acutilância, há ideias que combato com energia, por acreditar serem contrárias ao interesse geral. Esta dialética é fundamento da Democracia, é a velha máxima de termos por mais importante a liberdade de pensamento do outro do que o vencimento das nossas ideias. É a enorme diferença entre liberdade e opressão, entre democracia e totalitarismo.

A liberdade e a democracia não são a imposição de um pensamento único e iluminado a toda a sociedade, por muito bem intencionado que seja. Mao fez a assassina revolução cultural para criar uma China mais unida, mais igual, mais forte. Estaline liquidou todos os que pensassem diferente dos desígnios que estabeleceu, para que não se criassem obstáculos à triunfante sociedade soviética. Hitler tentou erradicar da face da terra qualquer ser humano que comprometesse a superioridade da raça que protagonizaria a supremacia alemã.

Estes são apenas alguns, os mais evidentes, dos que a dada altura da história tiveram uma ideia iluminada para a sociedade que dirigiram. Na época, aliás muito próxima, de cada uma destas três figuras históricas, houve gente, da intelectualidade ao senso comum, que se opôs, que tentou resistir, que bramiu argumentos, que ousou pensar diferente; eram designados como reaccionários, inimigos do progresso, perigosos obscurantistas.

Um dos passos decisivos para a instituição dos totalitarismos é a investidura formal das polícias de costumes. As comissões de regulação, os comités, os institutos de fiscalização, podem ser os braços do Estado na “normalização” almejada. A definição “superior” do pensamento por gente não legitimada, por alguma academia artificial e por mandato político e ideológico, resulta invariavelmente num divórcio entre o rumo imposto e a realidade, entre o ideal e a normalidade, entre a norma imposta e a liberdade.

Em Portugal, a cavalgada do chamado politicamente correcto tem sido alucinante. A cada esquina, onde antes havia um informador da PIDE, há hoje um militante da ILGA, um crente do Bloco, um apóstolo da igualdade de género, um criativo do racismo, um fundamentalista dos animais, um mata-frades ou um soldado da inclusão à força. As frentes são diversas, o objectivo é só um: a imposição do pensamento único. Para esta brigada, devidamente protegida e legitimada pela fragilidade política de Costa, quem pensa diferente, pura e simplesmente, não pensa, não tem direito a expressar as suas opiniões porque são dignas de um troglodita, não tem direito a liberdade de acção porque é medieval, não tem direito a falar se não viu e compreendeu a luz que irradia dos Boaventuras e demais jacobinos do regime.

O regime iluminado compraz-se, e aplaude, a revelação da orientação sexual de um membro do governo no jornal do regime. Diz-se ser um acto de enorme coragem e um decisivo passo no progresso civilizacional luso. Rotulam-se de marialvas medievos todos os que se atrevem à excentricidade de achar que a orientação sexual das pessoas se deve inscrever em liberdade na sua esfera privada e é irrelevante para o desempenho de funções públicas.

O regime iluminado alimenta os soldados que se indignam com as letras de Chico Buarque, o neo-machista e ex-libertador do Cálice. Que tal proibir a venda em Portugal? Chico, seguramente, adoraria.

O regime iluminado, resgatando a memória de Saramago, tira do estojo o lápis azul e manda retirar livros do mercado porque tratam os meninos como meninos e as meninas como meninas, sacrilégio máximo do tempo novo em que todos são seres em trânsito, provavelmente para lado nenhum.

O regime iluminado impõe quotas de género nas empresas privadas, calcando essa coisa nefasta do passado chamada liberdade de iniciativa e de gestão, inimigas declaradas do regime iluminado e dos seus mentores.

O regime iluminado diz que o aborto liberta a mulher. Começará por libertá-la da co-responsabilização do pai da criança que vai ser morta, do apoio na vida futura, das consequências que a gravidade de tal acto implica. Quem se opõe a tal acto de modernidade, está mais uma vez de má-fé ao serviço de uma igreja ultrapassada e obscurantista.

O regime iluminado quer acabar tenazmente com o pai e com a mãe, essas figuras que simbolizam um passado de opressão e esterótipos limitadores da plena realização individual.

O regime iluminado, os seus mais diversos agentes, a liberdade da escolha única que advoga, a rejeição e o desrespeito pelo acto de pensar livremente, erradamente dizem eles, está a criar uma coisa nova; não lhe chamo sociedade, para evitar a contradição nos termos. Está a fazer na Europa o que outros num passado mais ou menos recente não conseguiram. Está a cumprir a profecia de Bradburry em Farenheit 451 com eficácia inusitada.

Despeço-me das Senhoras e Senhores, enquanto ainda posso fazê-lo nestes termos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.