Tancos começou como anedota e termina como tragédia de Estado. O então ministro Azeredo Lopes lidou com o problema com total irresponsabilidade desde a primeira hora. Ninguém esquece o célebre “no limite, pode nem ter havido furto nenhum!” dito com muito pouco tino em plena crise. Todos temos memória bem viva, pela impressão que causou, do modo trapalhão e presunçoso com que Azeredo Lopes lidou com uma crise grave, enquanto Costa assobiava para o lado, deixando o inapto ministro entregue a si próprio. O desfecho do roubo viria a completar o quadro, uma história tosca, muito mal contada, a cheirar intensamente a esturro. Rolaram as cabeças inevitáveis, e o PS esperou esperançoso por um simpático olvido de um Ministério Público apaparicado pelo governo e liberto de uma Procuradora impertinentemente livre e isenta.

Entretanto, algo correu mal, como é normal quando as coisas estão mal. A par de toda a pantominice do ministro na altura, ficam os registos dos desabafos e das partilhas de informação sensível com a malta do grupo. O então ministro, enquanto arrastava penosamente o seu cadáver político, mentiu ao Parlamento e partilhou a mentira com um amigalhaço parlamentar. Tudo debaixo do sentimento de impunidade que reina no PS.

Ficamos todos a saber das famosas mensagens por estes dias. Tivemos todos a inequívoca confirmação das piores suspeitas sobre o então ministro, mas foi-nos dado a saber, muito mais e ainda mais grave. Um membro do actual governo mentiu deliberadamente ao Parlamento, inclusivamente, em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito. Um Deputado do actual Parlamento soube da mentira, confirmada pelo próprio ministro, e nada fez, enquanto eleito e titular, no Parlamento que é dolosamente enganado pelo Ministro. Há uma cadeia clara de infracções graves, com autores bem identificados, a merecer enquadramento jurídico e político. Há perguntas pertinentes a colocar como, por exemplo, se deverá Azeredo Lopes estar habilitado a leccionar num curso superior de Direito, sendo um público prevaricador frente à lei, à justiça e ao Estado? Será legítima a candidatura a deputado, de alguém que, ainda que como amigo, guarda o segredo de uma mentira de Estado contra o Parlamento que representa?

O PS diz que este assunto, este escândalo, não deve ser discutido agora! Deveria ser discutido quando? Onde? Numa salinha discreta, a 29 de Fevereiro de um ano bissexto? Não, não vale a pena berrarem. Não vale a pena tentar desvalorizar o que é de facto da maior gravidade. O momento para discutir, escalpelizar e apurar responsáveis é o momento exacto em que se toma conhecimento de tão profundamente graves factos. Sim, estamos a meio da campanha eleitoral; e depois? A verdade vai de férias e o Estado está suspenso?

 

O meu voto útil

Este é o último artigo que aqui escrevo antes das eleições legislativas. Os mecanismos de decisão de voto vão mudando com as diferentes circunstâncias, e a conjuntura actual faz com que o meu voto de próximo Domingo se vá forjando em pressupostos completamente novos para mim. O meu voto nunca foi secreto, ou sequer discreto. Sempre votei CDS com grande alegria, com enérgica convicção, identificado com os diferentes programas eleitorais ao longo do tempo e crente nas capacidades de quem administrava politicamente esta grande casa da direita portuguesa. A minha relação com o CDS entretanto mudou; descrente da solução de sucessão arquitetada por Paulo Portas, fiz nos últimos anos um percurso genuinamente crítico de Assunção Cristas e da sua direcção. Militante desde os 14 anos, fiz parte da vida do CDS e o CDS faz ainda hoje parte da minha vida. Ainda assim, coração à parte, sempre me obstinei em salvaguardar o meu voto de qualquer síndrome de clubismo. Em condições normais de funcionamento do Estado, das instituições democráticas, do pluralismo e da própria democracia, poderia desta vez considerar votar noutro partido, mais merecedor pela sua acção do que pela omissão de outros. Desta vez, são condições excepcionais que me levam a votar CDS. Não há alegria, identificação, esperança no meu voto. É o voto mais frio de que tenho memória.

Tancos, que aqui trago na primeira parte deste artigo. Pedrógão, que não me sai da memória. As golas inflamáveis de Cabrita. A urgência em ver pelas costas Joana Marques Vidal. O nepotismo sem pudor, sob a batuta inspiradora de César. A perseguição sinistra a quem discorda, como os enfermeiros, a professora e tantos outros. A pressão sobre a comunicação social. A liquidação em curso do Serviço Nacional de Saúde, em que me habituei a confiar. A imposição de um caderno ideológico perverso na Escola Pública. A opacidade permanente nos negócios em que o governo entra. Tudo isto, tal como a trapalhada de Tancos, assume particular gravidade por ser sempre o Estado o maior lesado, por haver uma inegável deterioração do Estado de Direito Democrático às mãos do PS e da extrema esquerda.

Assunção Cristas e a sua direcção muito pouco, ou nada, fizeram para conquistar o meu voto, para me permitir um voto alegre e esperançoso. Desta vez, foi Costa e os seus comparsas que me dissiparam qualquer dúvida quanto à utilidade do voto no CDS. O meu voto será para que os deputados do CDS, ainda que não sendo os que provavelmente escolheria, usem a experiência e competência ganhas ao longo de sucessivos mandatos parlamentares para se constituírem como fiscais indispensáveis dos demandos de uma esquerda incomodada com as regras da transparência, da democracia, da equidade, da liberdade e da defesa intransigente do interesse do Estado. Não se conhece no actual CDS um projecto mobilizador para Portugal, mas é de elementar justiça reconhecer em muitos dos seus deputados a capacidade de confrontar em sede parlamentar os piores desmandos desta esquerda assustadora e de garantir uma luta tenaz em defesa da Democracia que o CDS ajudou a fundar. Assim, só assim, em coerência, acredito que o meu voto será útil.