Há não muitos meses, eram bastantes os observadores da situação política brasileira que apostavam em como os dias do presidente Jair Bolsonaro estavam contados.
Embora não fosse muito evidente o modo como ele podia vir a sair de cena – desde o impeachment até uma espécie de golpe militar “bondoso” –, tudo chegou a parecer melhor a muitos do que a continuidade de alguém que havia sido um quase negacionista da pandemia, que revelava uma flagrante impreparação para governar, com um executivo atravessado por frequentes crises e demissões. A fraquíssima prestação da economia e o agravamento de muitas políticas públicas apontavam um mau destino ao presidente.
Olhando para trás, muitos brasileiros que haviam votado Bolsonaro interrogavam-se sobre a opção tomada. Não porque estivessem arrependidos por terem contribuído para a derrota de Fernando Haddad, que substituíra Lula na “chapa” da esquerda, mas porque, manifestamente, Bolsonaro ficara muito abaixo das suas mais modestas expetativas.
Na realidade, Bolsonaro não foi eleito por si próprio, pela convicção maioritária na sua qualidade política, mas, pura e simplesmente, como cabeça de cartaz de uma coligação informal para travar o “petismo”. Claro que havia, e há bolsonaristas, pessoas seduzidas pelo seu discurso extremado, que vai do saudosismo da ditadura militar até à ideia de que, com o PT e o seu candidato no poder, o Brasil acabará por ter um futuro “venezuelano”.
Na Europa, curiosamente, nunca houve uma consciência real do impacto, por contraste, que o exemplo do “chavismo” sem Chávez havia provocado em muitos eleitores brasileiros. Além do mais, Lula e os seus foram sempre incapazes de condenar o regime de Caracas.
Enquanto largos setores da opinião pública internacional partilhavam alguma admiração pela figura de Lula, positivamente marcados pelo modo como a imagem do Brasil se tinha prestigiado nos seus anos de poder, uma maioria de eleitores, sinceramente convicta de que a corrupção tinha passado a estar na matriz do “petismo”, consagrou no voto em Bolsonaro toda a sua indignação.
Foi essa perspetiva de rejeição que ganhou e, com ela, Bolsonaro foi eleito.
À época, tinha ficado evidente que os políticos conservadores tradicionais haviam perdido a sua oportunidade, suspeitos que eram também de moscambilhas financeiras, surgindo muitos deles envolvidos em escândalos que minaram as suas hipóteses de serem escolhidos. Bolsonaro, vindo de fora do sistema, foi o feliz usufrutuário deste desencanto generalizado.
O novo presidente teve uma gestão errática. Começou por condenar a “velha política”. Esta resistiu, conseguiu convencê-lo de que era impossível obter soluções governativas sem o apoio dos partidos do “centrão”.
E, de um dia para o outro, o presidente optou por “costurar alianças” com os inimigos da véspera. Travou assim os riscos de impeachment, alargou a governabilidade, abrindo o governo a antigos críticos. E pode mesmo vir a conseguir ser reeleito.