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O regresso do monstro inflacionista pode ser só uma ameaça

A subida dos preços nos últimos meses na zona euro e nos EUA gera debate sobre se assistimos a um fenómeno transitório ou permanente. Banqueiros centrais afastam o risco, mas a ala mais conservadora da política monetária alerta que a “inflação não morreu”.
16 Julho 2021, 09h15

É o tema do momento para os banqueiros centrais, analistas de mercados, economistas e decisores políticos. A subida dos preços nos últimos meses tem inquietado os investidores e levantado preocupações se será apenas um fenómeno transitório ou permanente, enquanto os bancos centrais garantem mensagens de tranquilidade. A discussão está longe da unanimidade e há ‘falcões’ do Banco Central Europeu (BCE) a aproveitar a oportunidade para forçar o debate sobre a redução dos estímulos monetários.

O contexto é em tudo diferente daquele que rodeou a crise dos anos 70, em que o monstro da inflação atacou, mas o fantasma das consequências da subida dos preços faz insuflar os receios, numa altura em que os primeiros sinais de recuperação económica começam a surgir. Segundos os dados do Eurostat, a inflação anual da zona euro é estimada em 1,9% em junho, que compara com os 0,3% do mês homólogo e 2% de maio. Segundo os dados, entre as principais componentes da inflação da zona euro, estima-se que a energia tenha a taxa anual mais elevada em junho (12,5%), seguida dos bens industriais excluindo energia (1,2%), serviços (0,7%) e alimentos, álcool e tabaco (0,6%). Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a taxa de inflação anual atingiu em junho 5,4%, um máximo desde 2008, quando em maio se tinha fixado em 5%.

O economista sénior do Banco Carregosa Paulo Rosa explica que “o aumento da procura, impulsionada pela gradual reabertura da economia, suportada pelo programa de vacinação e em busca da imunidade de grupo no verão, tem pressionado a inflação nos últimos meses, nomeadamente influenciada pelos efeitos de base devido à deflação durante a primavera e primeiro confinamento do ano passado”. Factores também apontados pelo economista da IMF- Informação de Mercados Financeiros Filipe Garcia, que identifica ainda “a subida de preço de commodities e do petróleo em particular, bem como as dificuldades logísticas ligadas à escassez de componentes e outros produtos intermédios”. Elenca também “a alta nos fretes e constrangimentos em contratar num mercado de trabalho inundado de subsídios”, bem como “o disparo no consumo por parte de muitas famílias, que acumularam poupança e estiveram impedidas de comprar”.

“No caso da zona euro, deve ser tida em conta a reposição do IVA na Alemanha”, acrescenta.
Um mix de factores que, ainda assim, o economista-chefe para a Europa do Goldman Sachs (ver entrevista na página 5) acredita terão efeitos transitórios. “Não estamos tão preocupados com isso. Acreditamos que a inflação irá subir significativamente nos próximos meses”, diz Jari Stehn, estimando que poderá mesmo aumentar para 2,8% em novembro. “Mas quando olhamos para 2022, pensamos que a taxa de inflação vai cair novamente de forma bastante rápida e para a meta do BCE novamente”, prevê. Até porque “muitos dos fatores que vão empurrar a inflação nos próximos meses são transitórios”.

A mensagem tem sido reiterada por Christine Lagarde, presidente do BCE, que admite que haverá subida de preços, mas que serão “transitórios”. Também o presidente da Reserva Federal norte-americana, Jerome Powell, defendeu mais uma vez que “a inflação aumentou acentuadamente e provavelmente vai continuar elevada nos próximos meses, antes de um nível mais moderado”. Apesar da incerteza, há mais vozes concordantes com os banqueiros centrais. A economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, escrevia recentemente no Twitter que “uma característica única da inflação, desta vez (em relação aos últimos cinco anos), é a leitura muito mais alta de bens em relação à inflação de serviços”.

“As interrupções na cadeia de abastecimento desempenham um papel importante e uma razão pela qual a inflação pode diminuir à medida que as interrupções diminuem, embora permaneça uma grande incerteza”, argumentou.
Ainda assim, o debate no mercado continua e “há excelentes argumentos para os dois lados”, segundo Filipe Garcia.
Uma boa parte dos fatores que levaram à subida da inflação tem, segundo o analista, um caráter não recorrente. “Também me parece algo estranho que o mundo de excesso de oferta que existia antes da pandemia se tenha transformado num mundo de escassez”, diz, reconhecendo, contudo que “há uma maior fricção internacional, nomeadamente com a China, que poderá levar a uma menor eficiência das cadeias logísticas globais e a má experiência da pandemia poderá levar muitas empresas a criarem redundância nas cadeias de abastecimento, o que encarecerá a estrutura”.

“Creio que a grande decisão sobre se a inflação será ou não transitória será ao nível dos salários: se 2022 nos trará salários substancialmente mais altos ou não, entre outros efeitos de segunda ordem”, sentencia.

Certo é que os receios da subida da inflação estão a começar a dar gás à reflexão sobre o momento para a retirada dos estímulos orçamentais e monetários. O presidente do banco central da Alemanha, Jens Weidmann, pediu recentemente que as compras de ativos no âmbito do Programa de Compras de Emergência, lançado pelo BCE, ejam “reduzidas passo a passo”, alertando que as pressões inflacionárias estão a aumentar na zona euro. Num discurso, citado pelo Financial Times, aquele que é conhecido como um ‘falcão’ do Conselho de Governadores do BCE, argumentou que “a inflação não morreu” , comparando-a a uma tartaruga gigante de Galápagos, que foi classificada erradamente como extinta durante 100 anos.

Weidmann afirmou que há “riscos em alta” para a perspectiva de inflação e os preços da energia podem avançar mais do que o esperado pelas políticas governamentais de combate às alerações climáticas. Mas, sobretudo, defendeu que o estímulo do BCE para aliviar o impacto económico da pandemia deve terminar “assim que a situação de emergência for superada”.

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