A última sondagem conhecida revela-se um bom instrumento de análise para avaliar o estado do panorama partidário nacional. No caso do CDS, a sondagem dá uma perspectiva péssima da relação do partido com o eleitorado – por muito grande que seja a margem de erro, o resultado é sempre muitíssimo mau.

Analiso esta sondagem do ponto de vista do novo ordenamento do centro e da direita, porque a circunstância temporária da esquerda está directamente relacionada com este período de ajustamentos. Mais força à direita significará sempre menos força à esquerda.

Há um processo em curso de divórcio entre o povo e os políticos que afecta todo o espectro partidário. Numa análise mais detalhada do fenómeno, constata-se que no espaço do centro e da direita esse divórcio está numa fase mais avançada, de eminente ruptura.

No espaço da esquerda, o divórcio deve-se à falta de credibilidade dos protagonistas dos diferentes projectos políticos, mas a matriz ideológica continua bem definida e o projecto social razoavelmente identificado. Toda a gente conhece as diferenças de fundo entre Bloco, PC e PS; independentemente de Louçã, Catarina e Costa serem o que são, o povo da esquerda sabe que, em função do seu pensamento, encontra uma casa onde se enquadrar.

O Bloco representa a extrema-esquerda revolucionária e de ruptura, acolhe o pensamento trotskista e fomenta todas as formas de instabilidade social. O PC inscreve-se no último reduto da linha dura comunista, ainda incensa Estaline, é profundamente conservador e absolutamente previsível; tem a liderança menos afectada pela descrença geral nos políticos.

O PS, enquanto grande casa da esquerda democrática, está lentamente a regressar ao centro e a dar conforto ideológico crescente à sua grande base eleitoral; o facto de os críticos da esquerdização do partido terem tanta visibilidade, prende-se com esta estratégia de abrangência.

No espaço do centro e da direita, o problema é infinitamente mais sério. Para além de não acreditar nos frisos dirigentes da actualidade, o povo da direita não encontra uma zona de conforto partidário nos dois grandes partidos do sistema. O PSD, pela mão de Rio e dos seus, vive com o sonho de ser de esquerda, um espaço completamente ocupado, deixando o centro moderado e alguma direita sem razões para se sentir bem na antiga casa de Sá Carneiro.

O CDS, por sua vez, viveu os últimos quatro anos a tentar ser coisa nenhuma. O pânico de afirmação ideológica de Cristas, e de todos os que a acompanharam, resultou na absoluta inutilidade actual do partido. À direita, o esgotamento do baronato, de todos os rostos que nos últimos quatro anos protagonizaram este processo de descaracterização das grandes casas de acolhimento ideológico, obriga a uma renovação profunda.

Costa e Catarina serão infinitamente piores do que qualquer dos rostos actuais do PSD e do CDS, mas não representam o fim dos factores identitários dos seus partidos, não quebraram o pacto de princípios com os seus eleitores. A prova disto constata-se ao ver que, apesar do afastamento voluntário de Assunção Cristas, o CDS continua em queda por estar representado por aqueles que a acompanharam neste processo de descaracterização. Quem defende que a próxima direcção se deve formar à volta do Grupo Parlamentar, labora no mais profundo dos equívocos, e esta sondagem atesta-o.

Esta processo de descaracterização da direita permitiu a emergência de fenómenos como o Chega e a Iniciativa Liberal (IL). É absolutamente normal e acredito que possam ter vindo para ficar, só depende dos próprios. As características do nosso processo revolucionário levaram a que os partidários de uma direita mais nacionalista ou populista se tivessem de arrumar entre o PSD o CDS e a abstenção; nunca tiveram casa própria, nunca tiveram voz pública para o seu pensamento. É perfeitamente natural que tenham rumado ao Chega com esperança de encontrar a casa que não tiveram até hoje.

Do mesmo modo, os ultra-liberais que foram sempre minoritários e uma extravagância do PSD e do CDS, encontram na IL uma voz seguramente mais próxima do seu pensamento. Não há drama nenhum nesta “especialização” à direita, pode inclusivamente combater a abstenção e reforçar este espaço. São novos actores a considerar, e será uma absoluta estupidez qualquer tentativa de marginalização destas novas realidades. O futuro, a governabilidade e o interesse nacional, poderão exigir entendimentos alargados que não excluam ninguém.

Este fenómeno de especialização à direita poderá também ter o condão de obrigar finalmente PSD e CDS à definição. O pior que poderia acontecer seria uma competição com estes novos partidos. PSD e CDS, enquanto partidos do regime, medem-se pelo PS, não pelos partidos de sector.

O desafio do PSD será encontrar um espaço na social-democracia de centro, muito ocupado pelo PS. O desafio do CDS será recuperar o seu espaço, afirmando como mais-valia a visão democrata-cristã da sociedade, de modo moderno, arejado e em linha com os grandes protagonistas do progresso mundial, como a Alemanha. Do ponto de vista ideológico e doutrinário, o caminho do CDS poderá ser mais fácil do que o do PSD; do ponto de vista das bases, o PSD sempre foi um partido mais forte e clubista.

Tudo em aberto, mas com pouca margem para novos erros. Ontem passou mais um aniversário da morte de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa – criaram o PSD e o CDS para responder a Portugal e aos portugueses, está na altura de cada um destes partidos resgatar esse papel.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.