À medida que se vai aproximando a data previsível para concretização do Brexit e da saída do Reino Unido da União Europeia, seria expectável que as notícias que fossem surgindo apontassem no sentido de, progressivamente, se irem encerrando os diversos dossiês em que se desdobra a referida negociação, sinal do avanço das negociações e do acordo entre Londres e Bruxelas para o termo de um processo negocial que, antecipadamente, se sabia ser complexo, difícil e de potenciais riscos não previstos nem desejados.

O certo é que, pese embora as expetativas criadas, as notícias que chegam quer de Bruxelas quer de Londres vão, precisamente, no sentido contrário. Em vez de estarem a caminhar na direção de uma convergência, parece verificar-se uma divergência e uma falta de consenso entre ambas as partes.

E das duas partes em diálogo – União Europeia e Reino Unido – é, precisamente, o governo da senhora May quem está com a vida mais dificultada. É que o tempo corre contra Londres – e a 29 de março de 2019, por força da lei, o Reino Unido deixará de ser um dos Estados membros da UE, independentemente do resultado da negociação e da assinatura ou não de um acordo de saída. No limite, poderá até existir um Brexit desordenado ou sem acordo.

Por outro lado, não só as suas principais pretensões foram recusadas pelos negociadores de Bruxelas como o seu plano para o Brexit foi rejeitado pelos líderes europeus na cimeira do Conselho Europeu de Salzburgo da semana passada. Internamente, a situação política no Reino Unido está longe de pacificada e, em torno da questão do Brexit, longe está o indispensável consenso que também seria suposto já existir a cerca de meio ano da concretização da separação do Reino da União.

Ainda nos últimos dias dois factos vieram evidenciar o clima de crispação e de dissenso vivido entre Londres e Bruxelas.

Por um lado, no já referido Conselho Europeu de Salzburgo, os chefes de Estado e de governo dos 27 restantes sufragaram o entendimento dos negociadores comunitários e recusaram os termos finais da separação do Reino Unido da UE, lançando sobre o processo mais um manto de dúvida e de incerteza. A reação de Theresa May não poderia ser mais dramatizadora – afirmou, taxativamente, a propósito da reposição da fronteira irlandesa, que não assinaria qualquer acordo do Brexit que pudesse vir a colocar em causa a sobrevivência e manutenção do Reino Unido. Nesta matéria, nunca nenhum chefe de governo de Londres se atreveu a ir tão longe. Ao colocar as coisas nestes termos, dramatizando ao máximo a situação, Theresa May não simplificou a sua posição. Bem pelo contrário.

Por outro lado, no Congresso anual dos trabalhistas iniciado ontem, Corbyn, o líder da oposição britânica, mostrou-se partidário e defensor da convocação de eleições legislativas antecipadas se o governo britânico e Bruxelas não conseguissem chegar a um acordo satisfatório, sem excluir, no plano teórico, a possibilidade de reivindicar um novo referendo sobre a saída britânica da União. Teve o cuidado de afirmar não ser esse o caminho que preconizava; mas também teve a cautela suficiente para admitir defender essa posição se a mesma fosse maioritária no seu partido.

Estes dois “simples” factos acabados de enunciar constituem um mero exemplo da complexidade com que, neste momento, se defronta o panorama político britânico. Complexidade profundamente dramatizada. A ponto de, pela voz da sua chefe de governo, ser a própria existência ou sobrevivência do Reino Unido, tal como o conhecemos até agora, que pode estar em causa.

No fundo, convém não o esquecermos, tudo consequência de um ato político irrefletido, impreparado e descabido, tomado em seu tempo por um David Cameron de má-memória que resolveu brincar aos referendos sobre a Europa para consolidar a sua posição política interna. Perdeu o referendo, perdeu o poder, perdeu a sua carreira política e pode ter ditado mediatamente o fim do Reino Unido na configuração que atualmente possui. A História não deixará de o julgar e dificilmente o absolverá.