Para além da guerra na Ucrânia se ter tornado numa oportunidade para Londres afirmar o seu protagonismo em assuntos de estratégia global, veio também trazer à tona de água dois aspetos incontornáveis: embora possam estar estrategicamente alinhados, os britânicos caminham num carril próprio, nem sempre sincronizados com o dos norte-americanos; o estado deplorável em que se encontram as forças armadas britânicas é pouco condizente com a pretensão de quem aspira a ser uma potência global.

A ambição do Reino Unido ser uma potência global está expressa num documento estratégico – “Global Britain in a Competitive Age” – publicado em março de 2021, durante a magistratura de Boris Johnson, onde se encontram plasmados os objetivos da política externa britânica. Aí se advoga que o Reino Unido, um “país europeu com interesses globais”, tem de desempenhar um papel determinante na definição da “futura ordem internacional”. O documento identifica ainda a ambição de apoiar “sociedades abertas”. Estes dois aspetos ajudam a explicar o empenho de Londres na assistência a Kiev, da forma que conhecemos.

Com a Commonwealth a perder muito do seu significado, Boris Johnson procurou aprofundar a “Relação Especial” com os EUA para assim entroncar no projeto de uma hegemonia global anglo-americana, apesar de uma participação subalterna. A guerra na Ucrânia veio mostrar que essa “Relação Especial” já teve melhores dias. Washington sentiu a necessidade de se distanciar discretamente deste aliado pouco controlável.

A ameaça de Liz Truss aniquilar nuclearmente a Rússia deixou os norte-americanos com os cabelos em pé. Não é esse o plano de Washington para derrotar Moscovo. Com este incentivo, não é de admirar que Zelensky tenha pedido o emprego de armas nucleares contra a Rússia.

O comportamento errático de Londres incomodou Washington, que pressentiu a possibilidade de acontecer algo irreversível que lhe fugisse ao controlo. Para evitar surpresas, atuou decididamente, e sob a capa da corrupção “libertou” o governo ucraniano dos apoiantes de Londres, eliminando a sua influência. No seu lugar colocou pessoas da sua confiança e que pensa controlar.

A insegurança quanto à atuação de Downing Street voltou a revelar-se quando, contrariando as reticências de Washington sobre a entrega de mísseis de longo alcance a Kiev, aquela manifestou disponibilidade para o fazer. Enquanto isso, altas patentes militares britânicas alertavam a população para se prepararem para um confronto militar iminente com a Rússia.

Por outro lado, a guerra na Ucrânia está a servir para mostrar as vulnerabilidades das outrora poderosas forças armadas de um país que sonha ser potência global. A assistência à Ucrânia está a causar problemas sérios em manter as suas forças armadas. Altas patentes dizem que as forças armadas do país se encontram no nível mais baixo desde a Segunda Guerra mundial.

O Exército é o mais pequeno em quatro séculos, e a Marinha é menos de metade daquela existente na década de oitenta, nos tempos da Guerra das Malvinas. Há três décadas, o Exército dispunha de 900 carros de combate, enquanto hoje apenas 148. O equipamento do Exército britânico tem mais de 30 anos, e encontra-se consideravelmente obsoleto.

O comportamento irresponsável e pouco esclarecido de Londres assemelha-se a uma farsa perigosa, que nos pode conduzir a um beco sem saída. Há, por isso, que estar alerta.