A voragem noticiosa dos nossos dias tende a colocar no passado factos muito recentes que marcarão seguramente o futuro. A eleição de Ursula Von der Leyen, tendo ocorrido há uma semana, parece-nos já parte do passado e, no entanto, tem tudo para marcar o nosso futuro.

Habituados a uma Europa indecisa, titubiante, enredada nos seus múltiplos compromissos e em clara desvantagem competitiva global, o discurso de Ursula Von der Leyen abriu-nos uma porta de esperança tão inesperada quanto necessária. Há tudo menos incerteza e ambiguidade nas palavras e no pensamento de Von der Leyen. Começa por evocar Simone Veil, e não é só por ser mulher que faz sentido, é sobretudo pelo resgate de uma ideia de Europa liderante e protagonista na ordem mundial.

As metas anunciadas, o caminho proposto, são o claro regresso a uma Europa que tínhamos perdido há muito. São a prova que os princípios e valores não prescrevem, aplicam-se, pela sua legitimidade intrínseca, a uma realidade em permanente mudança.

Não tem sido comum uma ambição e uma determinação tão assertivas e ambiciosas no âmbito das alterações climáticas e defesa do ambiente vir de alguém da direita, no entanto, nada há tão conservador como a ecologia. O enquadramento humano dos refugiados, sem fugir da necessidade de actuar sobre as causas mais profundas e do envolvimento de todos os intervenientes, reafirma a vertente humanista da Europa e sublinha a sua matriz cristã.

A aposta no reforço de Estado Social justo, com um salário mínimo europeu e um seguro de desemprego reforçado para fazer face às crises, marca o regresso da Europa aos seus cidadãos, cumprindo os ideais fundadores. A inequívoca necessidade de uma verdadeira política de defesa comum, com mais investimento e maior eficácia, sem renúncia da NATO e em sintonia com a ideia estratégica de um eixo atlântico, é de uma lucidez que há muito nos falta. E não faltaram também palavras para a família, a necessidade de promover a igualdade entre os sexos com base no mérito e a atenção que os jovens precisam para poderem progredir e ajudar a Europa a crescer.

Sem medo, Von der Leyen reafirma a Europa como a grande economia social de mercado onde ninguém fica para trás. Diz textualmente que, na Europa, a economia terá de estar ao serviço dos cidadãos, e não os cidadãos ao serviço da economia.

Tudo isto foi motivo para deixar os diferentes populistas em alvoroço. As esquerdas mais radicais, ao verem questões como a igualdade, a ecologia ou as migrações, serem escolhidas e privilegiadas com seriedade, adivinham que deixarão de ter espaço para a instrumentalização demagógica destas causas. Marisa Matias, num ímpeto de profunda desonestidade, mesmo delírio, acusa violentamente a nova presidente de tudo o que não é, personalizando este profundo mal-estar dos populistas de esquerda.

Os liberais assustam-se com esta re-humanização da Europa, com o estado de bem-estar e a política fiscal anunciada. A direita populista teme o fim de uma ideia de proteccionismo e fechamento ao mundo, de rejeição do diferente. Felizmente que todos estes se sentem derrotados, pois nenhum destes actores deseja uma Europa forte, unida, fiel aos princípios fundadores. Parece que, muitos anos depois de Konrad Adenauer, a Alemanha volta a dar uma grande liderança à Europa. Há esperança!

O embuste da maioria absoluta em Portugal

Por cá, há quem tenha começado, de modo pouco inocente, a teorizar sobre as vantagens de uma maioria absoluta de Costa em Outubro. A ideia é a do lobo em pele de cordeiro. O fim do condicionamento do exercício do poder pelo PC e pelo Bloco permitiria o regresso do PS ao centro democrático – o governo estaria livre da agenda radical e fracturante do Bloco e dos custos das reivindicações sectoriais do PC.

Poderia em tese ser verdade, mas será mesmo? Claro que não. O PS de Costa é o mais esquerdista de que há memória, idependentemente dos condicionamentos da extrema-esquerda. A corte de Costa é feita de extremistas como Pedro Nuno Santos, Galamba, Pedro Delgado Alves, Marta Temido ou Isabel Moreira. A raiz do mal está dentro do costismo, prolonga-se obviamente no Bloco, mas não se esgota aí.

Fazendo alguma fé nas sondagens, uma maioria absoluta de Costa às custas do centro e da direita representaria uma inédita maioria de esquerda e extrema-esquerda, capaz de passar todos os tipos de legislação e até promover uma revisão constitucional. Para além do regresso já prometido da eutanásia, regressaria tudo o que por algum acaso não conseguiram até agora aprovar; teriamos o previsível condicionamento da justiça e a arquitectura de um sistema que permitisse a perpetuação da esquerda no poder, condicionando irremediavelmente a nossa liberdade e a qualidade da nossa democracia. É isso que queremos? Não me parece.

Por muito fracas que sejam as alternativas à direita, e de facto são-no, há uma característica muito particular nas próxima legislativas: o voto útil pela democracia. O voto útil será o voto da garantia democrática, o voto do contra-peso, contra a descricionaridade e o abuso de poder, contra a imposição de um Portugal menos livre, no qual inevitavelmente não nos reconheceremos, mais sul-americano e menos europeu. Será tempo de um voto frio e pragmático, a evitar males maiores, a permitir a espera por tempos melhores.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.