O reinício de julgamentos mediáticos trouxe para a discussão pública a aplicação da justiça e a avaliação do comportamento de agentes assumidos de violar a lei. E chamamos agentes e não réus, acusados ou arguidos conscientemente, na convicção de que o estatuto daqueles que praticam atos indevidos pode alterar-se consoante as conveniências.

Enquanto o julgamento dos acusados de atos terroristas e apoio aos jihadistas aparenta ser mais pacífico na perceção do público, em geral, e os atos irão merecer a apreciação e eventual condenação em função da prova que for produzida, já o início do julgamento de Rui Pinto assume uma polémica que vai muito além da mera apreciação da conduta do réu acusado de ter praticado crimes e que tem suscitado uma eventual alteração de um regime legal que venha a minimizar, reduzir ou até retirar qualquer valoração da violação da lei, em nome de um bem supostamente maior.

Trata-se da perspetiva de que alguém, violando a lei, não vê valorado negativamente o seu comportamento por uma colaboração com as autoridades que permitirá a descoberta de múltiplas situações gravosas e até criminais. Mesmo que a lei venha a ser alterada, descriminalizando estes comportamentos, objetivamente existiram, e apesar de branqueados se mantêm, e os seus perpetradores, caso não tivessem sido apanhados, continuariam a praticar.
A possibilidade de um novo regime legal que retire a valoração negativa de um comportamento que preenche o tipo de crime em presença de um resultado maior, está a autorizar no futuro que alguém pratique um ato, se declare arrependido e obtenha com isso uma condenação menor. E fica à mercê da pressão pública, que deixa sempre rasto, como parece suceder agora que de criminoso se passa a vítima, de perseguido se passa a protegido.

Neste processo, alguém que violou de forma grave, voluntária e indevidamente, computadores de magistrados, advogados, bancos ou outras entidades é beneficiado porque pode facilitar a condenação de outros, que as autoridades não conseguiram pelos seus meios e no cumprimento da lei alcançar. A violação das regras impostas às autoridades passa a ser admissível, desde que realizada por quem tiver informação valiosa para trocar.
A salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias tão defendida afinal pode ser secundarizada. Os que tão prodigamente impõem a absoluta observância da lei às polícias, e que levam ao absurdo, em pedidos de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, surgem agora como paladinos de um Robin dos Bosques dos dados. Rouba os dados a quem os tem, para usar, e depois negociar, quando apanhado.

Os detentores de dados legítimos podem ver devassados os seus arquivos, em nome do acesso indiscriminado daqueles que buscam a condenação de outros, supostamente mais poderosos e esquivos. O romantismo do furto regressa, sob a forma do digital, no meio de uma floresta de megabytes. No original, pelo menos o autor nunca se entregava, nem para se salvar. Mas então havia nobreza.