Estes tempos de distracção pandémica têm sido ouro sobre azul para o Governo e para os aliados do Governo, e a cereja no topo do bolo para Mário Centeno.

O “Ronaldo das Finanças”, que afinal nunca passou de um Nelinho, aparece na política para salvar o país da terrível austeridade que o governo anterior tinha imposto aos portugueses. Claro que a razão pela qual a dita austeridade tinha sido necessária não interessa nada. E daquela vez, os portugueses até votaram em maioria naqueles que retiraram o país da bancarrota, ainda que não lhes dando a maioria parlamentar.

Qual golpe de chico-espertice, a esquerda faz aquilo de que mais gosta – apoderou-se do poder. E na falta de oposição, em novas eleições, já com tempo decorrido que ultrapassa a memória curta dos portugueses, embriagados com o estilo de comunicação, votam no mesmo partido e nas mesmas pessoas que deixaram o país na bancarrota. Muda a cara do líder e parece que estamos a falar doutro partido ou conjunto de pessoas. Mas avancemos.

Como se percebeu no decorrer da legislatura, a única coisa que mudou foi, de facto, a comunicação. Deixámos de ter um Gaspar a assumir um aumento brutal de impostos para passarmos a ter um Centeno que anuncia a devolução dos rendimentos e a redução da carga fiscal. Nada disto aconteceu. A devolução de rendimentos foi absorvida pelo aumento da carga fiscal que atingiu máximos. Devolução de rendimentos que, para variar, só atinge os funcionários públicos e ainda assim, nunca assistimos a tantas greves como nesses anos.

Mas, como sempre, os portugueses compram o que ouvem e desvalorizam o que sentem. O Gaspar foi honesto. Disse ao que ia. O Centeno esconde ao que vai. Diz o que as pessoas querem ouvir, gere os 700.000 votos como lhe convém, produz orçamentos que são aprovados pelo PCP e BE, e utiliza habilmente as cativações para, não implementando o previsto nos orçamentos, criar um excedente orçamental.

E depois deita-se debaixo do chaparro, de palito no canto da boca enquanto entoa um hino às contas certas! Mas quais contas certas, qual excedente orçamental, qual fim da austeridade?! O plano de Centeno está bem traçado e não tem muito a ver com contas certas… Ou tem, mas para o lado dele, nada a ver com a boa evolução do país, do desenvolvimento económico, da redução da despesa ou da carga fiscal…

Quando foi eleito à segunda volta presidente do Eurogrupo, e entretanto apelidado de “Ronaldo das Finanças”, inchou-lhe o ego de tal forma que a única preocupação que lhe assola a mente é o passo seguinte. Em 2019 viu cair por terra o salto para o FMI e, mais recentemente, tornaram-se públicas opiniões de colegas de que afinal o Ronaldo nunca foi um verdadeiro capitão de equipa e ia mesmo mal preparado para os jogos!

Posto isto, fixa os olhos no Banco de Portugal. Está farto de António Costa, de quem claramente se afasta sempre que pode – achei particularmente delicioso como fez questão de deixar vincado que não são amigos e nem se conheciam antes de 2014 –  tem a vantagem de não ter de fazer nada – pior do que o seu antecessor é mesmo impossível – tem emprego bem pago e garantido para os próximos dez anos, e sai dos holofotes quando o país se precipita para um novo buraco.

Teve tanta sorte que apareceu um vírus que vai ter as costas mais largas que o Mike Tyson. E por falar em Mike Tyson, depois da cena de teatro com o dinheiro injectado no Novo Banco que, recorde-se, foi previsto em Orçamento do Estado e aprovado pela maioria de esquerda que agora se arma em virgem ofendida, António Costa morde a orelha do Centeno ao chamar o António Costa (Silva) – caso para dizer que um António nunca vem só – para o ajudar num plano para a recuperação económica do país.

Pergunto eu que cada vez percebo menos disto… E Centeno? Os ministros servem para quê? E como é que o (novo) António Costa pensa o país sem falar com o ministro das Finanças? O Costa, primeiro, confirma assim que o Ronaldo era mesmo só um Nelinho. Soube estar quando a Europa cresceu e puxou por Portugal, quando o país ficou na moda e o turismo disparou, com as low cost a ajudar e os privados a reagir.

Privados – sim, estou a pensar mais uma vez (também) no Alojamento Local – que foram mal tratados com a invenção e imposição de regras que distorceram em muito os modelos de negócio, com o aumento de impostos e a invenção de taxas e taxinhas… Agora que é preciso saber estar, reagir e recuperar, é chamado um independente para para-ministro. Mas para um país paranormal, só mesmo um para-ministro.

A pandemia foi excelente para justificar a próxima desgraça que, como sempre, terá de ser recuperada à custa do sector privado e dos impostos de todos nós. O novo Costa já diz que é preciso mais Estado. Mais Estado? Mais ainda?! Talvez não seja isso exactamente o que ele quis dizer. Resta-me alguma esperança quando recordo críticas do novo Costa ao Costa primeiro, bem resumidas neste artigo do ECO.

Imaginemos então que o novo Costa desenha “O” plano de recuperação que Portugal precisa. Se a sua implementação é deixada nas mãos dos de sempre – como de facto neste cenário terá de ser – não me restam dúvidas que o plano nunca será concretizado, mais não seja porque parte dos fundos que lhe são destinados se “perdem” nas malhas habituais. E o que acontece então? Não restam alternativas senão o continuado aumento de impostos.

Será sempre o sector privado a puxar pela economia mas como este tem cada vez menos razões para investir em Portugal, mantenho-me expectante quanto ao momento em que se dê início a uma verdadeira reforma do Estado. Não me parece que venha a existir melhor momento do que este.

Quando é que vão ter a coragem de alterar a Constituição para se poder reformar o Estado? Para se poder acabar com centenas de postos de trabalho que nada acrescentam, para se acabar com comissões, fundações e tachões que derretem os fundos públicos? Quando é que têm coragem para permitir a renovação da classe política?

Quando é que vão ter coragem de permitir que a justiça funcione? Pior, quando é que a justiça vai ter coragem de querer mesmo funcionar? Quando é que a justiça vai fazer justiça a si própria? Quando é que têm coragem para assumir que existe corrupção e tomam medidas para a eliminar? Quando é que têm coragem para acabar com a pouca-vergonha dos supervisores passarem a supervisionados e vice-versa? Quando é que o Tribunal Constitucional se revê profundamente a si próprio, já que reúne per se os portugueses mais diferentes de todos os outros?

Este país parece uma verdadeira dança de cadeiras, mas à sala fechada!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.