Sejamos francos. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em Portugal é conhecido pela sua péssima reputação desde há muitos anos. Lixo é a expressão mais invocada por todos aqueles que estão a par dos seus processos internos de funcionamento. É, desde que me lembro, alvo de constantes críticas pelos seus processos lentos, inadequada preparação técnica para lidar com migrantes legais e ilegais, a que se somam acusações de corrupção que envolvem facilitação de documentos e não só.

O caso brutal que veio a público de tortura e homicídio do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, no centro de instalação temporário no aeroporto, às mãos de inspetores do SEF abriu um dos capítulos mais negros na história desta instituição. Notícias recentes de outros casos de violência exercida contra estrangeiros, que tiveram lugar nesse local, indiciam ser esta uma prática já regular antes da morte de Ihor Homeniuk.

Eis os factos: cidadãos estrangeiros estavam a ser sujeitos a um tratamento indigno e arbitrário por inspetores (com a conivência de outros) que exerciam no aeroporto a sua autoridade, muito ao estilo de torturadores e carrascos de regimes autoritários. A reação lenta das autoridades a este caso não foi além de um conjunto de demissões no SEF de Lisboa e no encerramento de instalações, mesmo perante as acusações do Ministério Público.

Teria sido do mais elementar bom senso Cristina Gatões, diretora do SEF, ter posto de imediato o seu lugar à disposição, após admissão tardia da ocorrência de tortura. Mas demissões não bastam. As circunstâncias atuais exigem nada menos do que um profundo desmantelamento e total reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Em tempos fui também uma estrangeira com Bilhete de Identidade azul que fazia visitas frequentes e desgastantes ao SEF. Às vezes é preciso lembrarmo-nos do óbvio, de que muitos imigrantes são forçados a sair dos seus países de origem devido a grave instabilidade social e económica, guerras, repressão e miséria a uma escala tal que tornam impossível garantir a segurança e bem-estar de uma família.

Portugal é um país mal preparado para esses fluxos migratórios nas suas fronteiras e muito poderia ser dito também sobre a sua impreparação em matéria de refugiados, mas o ponto desta crónica não incide no acolhimento de refugiados. Incide sim, nos momentos assustadores e tensos de entrada neste país quando se é estrangeiro (fora do espaço Schengen), pobre e submetido a trâmites processuais infernais que muitas vezes atentam contra a dignidade da pessoa.

Consta que haverá uma reformulação de cargos e nomes no SEF. A julgar pela quantidade de nomeações políticas que têm dominado este departamento, receia-se o pior. E o pior é ficar tudo na mesma, mas com inspetores homicidas já fora de cena. Raras vezes senti uma vergonha tão grande em ser uma cidadã portuguesa como ao saber das condições bárbaras em que morreu Ihor Homeniuk. O que distingue uma república das bananas de um país (e muitos imigrantes fugiram de autênticas repúblicas das bananas) é o respeito pelos Direitos Humanos. O governo português faria bem em lembrar-se disso nesta hora crítica em que a sua reputação nessa área já foi fortemente manchada.