Como é sabido, no sistema processual penal português a investigação é protegida pelo segredo de justiça interno, o qual impede que os visados pela investigação possam aceder ao processo e de alguma forma obviar à recolha eficaz dos meios de prova. O que não se compreende é que o processo seja secreto para os suspeitos e arguidos e não o seja para os meios de comunicação social.

Com efeito, é perfeitamente frustrante que um advogado mandatado num processo crime para acompanhar uma busca a domicílio do seu constituinte possa saber mais pormenores do processo se ligar uma televisão do que lendo os despachos ou promoções que lhe são apresentados. E quantas vezes o advogado chega ao local em que a busca vai ser realizada ou os próprios advogados indicados pela Ordem dos Advogados para acompanharem as diligências de busca a escritórios de advogados e se deparam à chegada com as câmaras de televisão. E aqui das duas uma: ou os senhores jornalistas enveredaram com sucesso nas artes ocultas da cartomancia, ou, alguém com acesso a elementos da investigação lhes indicou o local da busca. E, neste caso, quem poderá ser o responsável pela incontinência?

Repare-se que o advogado do suspeito não terá sido, pois o buscado só sabe da busca quando ela se inicia e não consigo vislumbrar qual seria a vantagem do infeliz visado em dar publicidade ao ato. Por seu lado, os advogados nomeados pela Ordem dos Advogados para acompanhar as diligências de busca a escritórios de colegas só sabem qual é o local quando lá chegam transportados em viatura da polícia judiciária ou do magistrado que preside à diligência. Mas, entre a bola de cristal e a libertação ilícita de informação do processo para os órgãos de comunicação social, eu voto, sem hesitar, na bola de cristal.

E isto por uma razão muito simples. É que divulgar elementos do processo como os locais em que se realizam as buscas ou a identidade dos suspeitos visados por essas buscas, usual quando se tratam de figuras públicas, constitui o herói ou heroína da proeza na autoria do crime de violação de segredo de justiça que antecede na sistemática do código penal português os crimes de recebimento indevido de vantagem e os de corrupção ativa e passiva.

E pergunte-se: qual o “valor de mercado” da libertação daquelas informações para determinados meios de comunicação em detrimento de outros ou até para todos ao mesmo tempo? É capaz de valer umas valentes centenas de euros… E para esta conduta, ou seja, para alguém que tenha acesso a determinados elementos de um processo crime em segredo de justiça que os a liberta a troco de vantagem patrimonial ou até não patrimonial, haverá algum ilícito típico penal que se lhe aplique? Tenho ideia que sim. O que nos vale a todos é que, com toda a certeza, isto nunca se passará. No meio de tudo isto, uma coisa é certa: o tipo penal de violação do segredo de justiça é letra morta. E é muito triste que assim seja.