Que me perdoe o leitor a ousadia, mas gostaria de partilhar consigo um conjunto de pontos de vista sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ousadia, porque do SNS apenas usufruo enquanto cidadão, nunca tendo nele tido qualquer relação profissional.

Sei que um Sistema de Acesso Universal, prestado pelo Estado, ou em regime de concessão do Estado, é uma marca do modelo social-democrata/democrata cristão em que assentou a construção europeia do pós-II Guerra Mundial.

Sei, igualmente, que o SNS português conseguiu, no espaço de uma geração, feitos impensáveis quando eu era criança: uma rede de cuidados primários de proximidade das melhores do mundo; uma taxa de mortalidade infantil das mais baixas, ombreando com os países nórdicos (e deixando a anos luz superpotências económicas); uma cobertura de vacinação quase a 100%, entre tanto, mas tanto, que haveria a dizer.

Contudo, ouvindo e lendo a opinião publicada fico preocupado. Primeiro, porque a ideologia quer entrar em força na gestão do SNS, o que é errado. Segundo, porque conquanto exista espaço para muito melhorar, a opinião publicada tende a remeter-nos para o patamar subdesenvolvido, o que é profundamente desfasado da realidade.

O SNS é um dos pilares da sociedade portuguesa. Não pode ser campo fértil para as ideologias fazerem o seu caminho. O SNS precisa de mais dinheiro, pois está sub-financiado. E precisa de mais autonomia de gestão, para poder contratar profissionais, remunerá-los e dar-lhes uma carreira. Precisa de gestores hospitalares com capacidade de ombrear, com as mesmas ferramentas, com o sector privado. E necessita de reforçar a sua universalidade, produzindo internamente ou contratualizando quem faz melhor.

Precisamos de mais dinheiro e mais autonomia de gestão, mas também de parcerias, para que o SNS dê resposta às listas de espera para uma consulta de especialidade ou para uma cirurgia. Precisamos que, na sequência da consulta, o cidadão possa ter acesso a meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Precisamos de um SNS mais robusto para atender, em produção própria ou contratualizada, às solicitações crescentes em cuidados continuados e paliativos. Precisamos de um SNS na liderança absoluta do combate às doenças oncológicas, crónicas e degenerativas.

Este é o papel do Estado. Não o de tudo fazer, mas o de garantir as condições, de financiamento e de regulação, para que ninguém deixe de ser tratado. Precisamos de um SNS melhor e mais aprofundado. Mas também de um SNS eficiente que, sem ideologia, experimente modelos de gestão que estão comprovados.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.