A invasão do Capitólio em Washington fica para a história como um momento negro, que obriga a refletir como é possível que uma das nações mais evoluídas do mundo, pioneira da democracia, polo do desenvolvimento tecnológico, referência na área do desporto e da cultura, destrua num ápice a imagem que construiu ao longo do tempo e exporte barbárie, ódio e destruição, dando argumentos aos que tentam demonstrar que os EUA têm uma dimensão provinciana, inculta e conflituosa.
A estupefação com que assistimos à matilha que escalou paredes, destruiu janelas e portas e invadiu selvaticamente a Casa da Democracia, só é comparável às cenas de pancadaria ou total desrespeito pelas instituições em países que consideramos menos desenvolvidos. Eis que esta invasão nos transportou para o lado obscuro da democracia, constituindo-se como um verdadeiro ato de terrorismo que merece punição exemplar.
Foi a intolerância que fez regredir a democracia mais de um século, pelo que tal acontecimento não merece mais do que uma nota de rodapé nas memórias para o futuro, apesar de alguns terem querido atribuir-lhe um certo romantismo ou heroísmo, como se de uma revolução se tratasse. Não foi um grupo de visionários mas sim de arruaceiros que deu uma forte machadada na democracia e na dimensão política do sonho americano de equilíbrio e bom senso.
Este ato ignóbil e cobarde foi como que o culminar das atitudes incendiárias que caracterizaram a política americana nos últimos quatro anos, com reflexos em todo o mundo, e num crescente radicalismo que alimenta este tipo de comportamentos em nome do povo mas praticados contra o povo e contra as instituições que lhe dão corpo.
Quem incentivou este ato, quem lhe deu dimensão temporal, quem o inspirou não pode ser esquecido pois devemos ter consciência de que aquele não nasceu espontaneamente nem decorreu de inspiração momentânea, uma vez que os seus executores estavam preparados para a prática de um ato extremo. O que aconteceu é uma triste invocação de outros atos que mancham a história dos EUA, como foram os assassinatos de Lincoln, John F. Kennedy e Robert Kennedy.
Devemos ter presente que isto reflete a acumulação de frustrações, o descrédito sucessivo de eleitos e das instituições, que colocam as democracias no ponto mais baixo da esperança das populações. É em função da desilusão que se reforçam estes movimentos um pouco em todas as democracias. É o mais sério aviso para que se repensem comportamentos, políticas e mensagens numa nova organização política dos Estados. Nunca como hoje recordamos Churchill quando avisava que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Sigamos o passado para encontrar o futuro.
É tempo de descobrir novas soluções para responder a este desafio, assumindo o debate político não como um reality show, mas identificando um novo modelo que inspire confiança e que reúna participação, resultados coletivos e objetivos comuns.