Temos assistido no último ano ao incremento dos esforços para se encontrar uma solução política para o conflito no Afeganistão, que se arrasta há 18 anos. Embora a situação militar no terreno não tenha diminuído de intensidade, continuando os combates e os ataques em Cabul, verificou-se uma evolução positiva digna de ser registada.

É imperativo sublinhar dois novos aspetos: a emergência de um diálogo intra-afegão, envolvendo o Governo e os talibãs, e a evolução da posição norte-americana no sentido de se encontrar uma solução política para o conflito. Existem factos tangíveis que ilustram estes desenvolvimentos.

Por um lado, talibãs e Governo entraram em diálogo. O presente formato de negociações poderá não ser o ideal, mas o facto de existir é, por si mesmo, algo novo e muito positivo, que deve ser aprofundado. Teve lugar em Doha, no Qatar, no dia 7 de junho, uma reunião de dois dias com a presença de representantes do Governo e uma equipa de negociação talibã composta por 17 membros, representando várias fações do grupo. E, em junho do presente ano, num gesto de boa vontade, o Governo afegão iniciou unilateralmente a libertação de centenas de prisioneiros talibãs.

Por outro, desde julho de 2018, na sequência da interrupção das hostilidades durante o Ramadão, talibãs e diplomatas norte-americanos passaram a encontrar-se frente a frente com regularidade, tanto no Qatar como nos EAU. Já se realizaram sete rondas negociais.

Em 2011, escrevi o que me parecia serem as exigências básicas realistas para se iniciarem negociações com vista ao estabelecimento de um acordo de paz. Entre outras, da parte norte-americana, obter a garantia dos talibãs que nunca mais permitiriam o estabelecimento de grupos terroristas no Afeganistão, como tinha acontecido no passado, e que o país nunca mais voltaria a ser um safe haven para estas organizações.

Note-se que a recetividade dos talibãs a esta exigência não é recente. Já em 2008 eram notórias as divergências ideológicas entre os talibãs e a Al-Qaeda sobre o modo como viam o futuro do Afeganistão; e, da parte talibã, a retirada das forças internacionais do país para se iniciar o diálogo político. Os talibãs querem os EUA fora do Afeganistão, mas sabem que os EUA não se retiram sem um compromisso credível.

Desde 2001, muita água correu por debaixo da ponte. Uma operação antiterrorista dirigida contra a Al-Qaeda transformou-se rapidamente numa operação de peacebuilding – sem se encontrarem reunidas as mínimas condições para tal, apenas por fundamentalismo ideológico – com o objetivo de transformar o Afeganistão numa democracia liberal. O resultado é conhecido: mission creep. O insucesso foi a consequência natural do pouco discernimento dos decisores políticos relativamente ao resultado final que pretendiam atingir. A geoestratégia falou mais alto.

Sem surpresas, são dois os pontos centrais da presente agenda negocial. Da parte norte-americana, o compromisso dos talibãs não albergarem no território afegão redes terroristas, nem permitirem que o Afeganistão volte a ser um safe haven; da parte talibã, a calendarização da retirada das forças militares norte-americanas presentes no território.

É certo que não se chegou ainda a um acordo, mas os passos já dados são muito importantes. Quem há dez anos falasse na integração dos talibãs no mainstream político afegão e na sua participação no Governo corria um sério risco de ser “excomungado”. No entanto, contra ventos e marés, todos os factos indicam que nos encontramos mais perto de alcançar a paz do que em qualquer outro momento da história do conflito. Sonhar é preciso, mesmo com mais de dez anos de atraso.