Na comunicação política está tudo inventado. Pode aparecer algo mais engraçado, mas as palavras são as mesmas nos dicionários, e também nesses compêndios nada sobra para ser inventado.

É por isso que quando se pede uma alteração das coisas, se acredita com fé na transformação de ciclos, a palavra mudança está sempre presente. Rui Rio é avesso a mudanças, prefere as continhas certas, opta entre a lealdade e a fidelidade pela segunda, esquecendo-se que “Fiel” é comida para cão e fidelidade canina é típica dos medíocres e sem pensamento próprio. Por isso escolheu nas listas para deputados um punhado de fiéis sem surpresas, um grupo de “puros sangue” de Rui Rio.

Em 2019 disse no “Expresso da Meia-Noite“, na SIC-Noticias, que, durante toda essa campanha para as legislativas, ninguém usou na oratória nem em nenhuma peça de comunicação política essa palavra mágica: mudança. Parecia que todos os partidos estavam satisfeitos com a situação e, no fundo, ninguém acreditava que PS e Geringonça deixassem de dominar o ciclo político.

Dois anos depois, com um partido cinicamente unido e silenciado, onde uma enorme minoria bate no peito e jura empenhamento em público e vai adiando o punhal da vingança em privado para o dia 30 de janeiro, esperando que o prazo de validade do líder se esgote com uma derrota nas urnas, Rui Rio surge reforçado, tem o seu melhor “momentum”, as sondagens aproximam-no dos socialistas e as três vitórias internas aconchegam-lhe uma aura de “cavalo ganhador” em quem se pode apostar.

Contudo, antes de dizer ao que vai, e falta ainda esclarecer muito do que será o seu programa eleitoral e as suas bandeiras para lá das ideias positivas que já apresentou para a reforma da Justiça e do sistema político e eleitoral, já mostra disponibilidade claríssima para uma solução governativa em conjunto com o PS. Ora, isso pode dificultar o seu apelo de voto útil à direita, pois a direita mais profunda não morre de amores por se abraçar a António Costa. O seu “Portugal ao Centro”, slogan dos primeiros dias do Congresso em Santa Maria da Feira, é o procurar avidamente o que um catch-all party tem no seu âmago: chegar a todos com a ideologia religiosamente metida na gaveta.

Em 39 minutos do discurso final de Rui Rio no conclave do PSD nunca foi utilizada a palavra mudança. É mais uma vez um curioso sinal do seu subconsciente que, desde sempre, ambicionou um Bloco Central para levar os sociais-democratas ao poder. Até porque Rio e Costa dão-se bem. As disputas mais duras são mera coreografia para uma relação muito cordial, aquela que levava o então autarca do Porto a descer à capital que não aprecia para se sentar ao lado de António Costa na Avenida da Liberdade e ver as marchas passar no Santo António. E o autarca de Lisboa retribuía no São João a cortesia a Rui Rio indo para a Ribeira levar com os simpáticos martelinhos típicos dessa noite. Dia 30 de janeiro veremos quem sairá mais sorridente.