As imagens da Catedral de Notre-Dame em chamas trouxe-nos à memória outros graves incidentes da história em direto. Decerto muitos se recordaram de momentos de grande tristeza como foi a queda das Torres Gémeas ou o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro há pouco mais de seis meses.

Exemplo do gótico, monumento mais visitado, repositório de recordações da infância, imortalizado por Vitor Hugo e – sinal dos tempos – por um filme da Disney, todos conhecem e recordam a perfeição das formas e o recorte nos céus de Paris. Por isso este incidente deixará marcas durante décadas.

A transmissão sucessiva e permanente de imagens ofereceu-nos uma perceção de história a acontecer e de história a arder, em simultâneo. E um consenso generalizado no que respeita à perda de uma referência cultural da humanidade, património de todos que a todos deixa mais pobre, pois nunca se conseguirá recuperar a patine, o cheiro e a dimensão do tempo.

Os blocos de pedra podem resistir e a estatuária regressar, mas o pó entranhado, o desenho dos séculos, os passos de construtores, crentes e visitantes foram consumidos pelas chamas. O raro consenso mundial que junta nesta perda chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, vai permitir que à volta da reconstrução da Catedral se unam os todos esforços, e das suas cinzas ela renascerá.

Mas importa que daqui se retire uma lição relevante para todos os que relativizam o investimento em património. Tal exige respostas firmes, sérias e ponderadas. Não há Santa Bárbara apenas quando troveja.

Muito recentemente passámos por momentos difíceis em múltiplos incêndios, onde a perda de vidas humanas superou qualquer dano patrimonial não obstante termos tido perdas irreparáveis no domínio florestal e no que essa perda representa para a preservação futura da natureza .

O Ministério da Administração Interna (MAI) têm-se mostrado pouco hábil em liderar o processo de reforma da proteção civil. A excessiva politização, o aumento inusitado de chefias, o ambiente de guerrilha com os protagonistas entre bombeiros e autarquias, criou distâncias e clivagens, ao invés de soluções consensuais.

A confusão e a contorção política instalaram-se na estratégia do Governo, enquanto o MAI se enleou numa trama alimentada por si mesmo. E não sentimos coordenação entre Administração Interna, Ambiente, Infraestruturas e Agricultura. Onde o Governo devia definir uma estratégia e procurar consenso, vimos atitudes pomposas e poucas soluções. Não foi raro ver o próprio Governo incendiar situações e criar novos focos de conflito.

Hoje os sinos não dobram em Notre-Dame. Acompanhamos o lamento e a solidariedade do mundo. O consenso internacional servirá como azimute para a construção de defesas, com os protagonistas e não contra.

Estamos à porta de uma nova época de incêndios. Oportunidade para encontrar soluções e terminar conflitos. A sensibilidade do momento é única. O tempo foge.