Passou um pouco despercebido entre nós a assinatura, faz hoje precisamente uma se­mana, de um Tratado europeu celebrado entre a França e a Alemanha, duas das maiores economias da União Europeia e, seguramente, as maiores da zona euro.

O Tratado foi assinado no exato dia em que se comemorava o 56º aniversário da assi­natura do distante Tratado do Eliseu, entre os mesmos países, no qual o presidente De Gaulle e o chanceler Konrad Adenauer estabeleceram as bases de uma cooperação po­lítica mais estreita entre ambos os países, dando corpo ao denominado eixo franco-alemão, que os seus sucessores viriam a corporizar e desenvolver, com particular des­taque para os relacionamentos havidos entre Valéry Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt e, posteriormente, entre François Mitterrand e Helmut Kohl.

Desta feita, foram Emmanuel Macron e Angela Merkel que pretenderam atualizar o Tra­tado do Eliseu, adaptando-o às novas realidades dos nossos dias, à nova ordem interna­cional multipolar, à particular situação vivida pela União Europeia e, por último, mas não menos importante, à situação que cada um deles conhece nos respetivos países.

Em termos substantivos, a generalidade dos analistas e comentadores pauta-se por uma razoável sintonia – o tratado em causa é vago no seu conteúdo, mas rico e importante na sua simbologia ou na mensagem que pretende transmitir.

Os aspetos mais relevantes que merecem des­taque são dois. Por um lado, a França e a Alemanha renovam a sua crença no projeto comunitário e reafirmam o seu empenho em aprofundá-lo a novas áreas e novos domí­nios, se necessário no quadro das cooperações reforçadas consagradas desde o Tratado de Maastricht.

Por outro lado, merece destaque o facto de no Tratado ficar claro que a França desenvol­verá todos os esforços para que a Alemanha venha a ter um lugar de membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas; e, enquanto isso não suce­der, ambos os Estados se comprometem a articular as suas posições que deverão ser transmitidas ou assumidas pela França, que já tem aquele estatuto.

É, porém, no plano simbólico que este novo Tratado adquire maior importância.

Assi­nado na cidade alemã de Aachen – ocupada repe­tidamente pela França e conhecida em francês como Aix-la-Chapelle, que faz fron­teira entre a Alema­nha, Bélgica e Holanda e que foi outrora escolhida por Carlos Magno para capital do seu Sacro-Impé­rio – muitos foram os que viram na sua assinatura uma distante reminiscência da Eu­ropa carolíngia, pela predominância que a França e a Alemanha chamaram a si na condução dos assun­tos da res publica europeia. Propondo-se fazê-lo, preferencialmente, no quadro da UE. O motor económico da União parece querer chamar a si, também, a sua liderança política.

Para a União Europeia, este Tratado assume uma dimensão paradoxal, e esse é um facto que deve merecer alguma reflexão. Por um lado, reforça o chamado eixo franco-ale­mão, que sempre foi o motor fundamental do aprofundamento político-institucional co­munitário.

Nunca se fez, até hoje, nenhuma reforma importante dos tratados europeus e comunitários sem que tal fosse suportado pelo entendimento franco-alemão ou ti­vesse contra si qualquer um destes Estados fundadores do projeto comunitário. A essa luz, é benéfico e promissor que França e Alemanha renovem os seus votos e a sua crença nesse mesmo projeto.

Há, todavia, um aspeto que não pode deixar de ser relembrado. Predispondo-se a avançar, se necessário, com base no instituto das cooperações refor­çadas, França e Alemanha dizem-se dispostas a ir mais longe e mais além, e quem quiser ir com eles que os acompanhe; ou, dito de outra forma, não pretendem deixar-se con­dicionar pela inação da UE.

A determinação demonstrada é louvável, mas a verdade é que o método das cooperações reforçadas deve ter-se como a exceção e não como a regra, sob pena de estarmos a construir uma União Europeia de geometria variável, a várias velocidades ou à la carte, em que os seus diferentes Estados-membros não partilham a totalidade das suas políticas mas, apenas, uma parte delas. Podendo ser um futuro possível para a União, está longe de ser aquele que lhe conferirá mais coesão e lhe dará maior robustez na cena internacional em que a UE se movimenta.

Finalmente, há um aspeto que deve ser lembrado. O timing em que este Tratado é assi­nado. Não é, só, na altura em que se assinala o 56º aniversário do Tratado do Eliseu. É, também, no momento em que os seus outorgantes conhecem os mais baixos e mais difíceis momentos políticos internos dos seus países. Tanto Merkel como Macron atra­vessam, por estes dias, as fases mais difíceis e complexas dos seus mandatos.

Merkel já anunciou que não se recandidatará a novo mandato; Macron vê, a cada fim de semana, as ruas de França exigirem a sua demissão. Foi neste quadro de debilidade política de ambos que ambos assinaram o Tratado de Aix-la Chapelle. O desígnio europeu vol­tou, inequivocamente, a ser posto ao serviço da política interna e nacional, neste caso da Alemanha e da França.

Sem que isso possa ser condenável, per se, o que se espera e se deseja é que a dimensão europeia do documento agora assinado possa vir a ter uma efetiva concretização e se traduza em iniciativas concre­tas no plano europeu, não sendo completamente obnubilada e subalternizada pelas conveniências políticas nacionais. Se assim for, todos ganharão e a Europa não se limitou a ser, uma vez mais, um simples e benquisto pretexto para iniciativas e interesses polí­ticos nacionais.