Observa-se, nesta era, e na realidade africana com maior intensidade, o fim do estatuto jurídico do cidadão, porque possuir tal estatuto não garante, por exemplo, aos africanos o gozo de direitos de forma efectiva. Por isso, estamos perante um quase-cidadão que está obrigado a tornar-se num ser-activista que reivindica e luta pelos seus próprios direitos. Deste modo, o activismo sai glorificado, como uma espécie de superação das insuficiências dos direitos inerentes à cidadania.
Assim, o activismo passou a ser a forma encontrada pelos sujeitos africanos para o exercício de certos direitos previstos nas constituições. O que evidencia que é insuficiente ser-se apenas um cidadão-africano, porque, efectivamente, este estatuto jurídico não possui em si nenhum impacto directo na vida dos africanos no pós-independência.
Em alguns países africanos, particularmente nos de língua oficial portuguesa, só se alcançou o estatuto de cidadania através de uma luta de libertação nacional. O que demonstra que o activismo político e militar trouxe, com o fim do jugo colonial, a cidadania, mostrando, já nessa época, a afirmação do activismo na realidade dos países africanos.
No entanto, a efectivação dos direitos do cidadão em África ficou, desde logo, condicionada pelas restrições políticas dos regimes autoritários do pós-independência, bem como pelas profundas desigualdades socioeconómicas. Dando origem a um cidadão pobre, espoliado, discriminado e distratado, cujos direitos estão apenas formalizados nas constituições. Apenas o cidadão-activista procura escapar deste formalismo constitucional através de uma postura de rebeldia e ousadia contra os ditames dos regimes africanos.
Como resultado desta situação, observa-se hoje em África, e não só, que todas as esferas sociais estão a ser inundadas por idealismos e activismos. Por exemplo, alguns dos últimos prémios Nobel da paz do continente africano, como o médico Denis Mukwege e a ambientalista Wangari Maatha, ganharam os seus prémios pelas actividades no campo do activismo e não como meros cidadãos africanos que exercem apenas os seus direitos.
Devemos, assim, admitir que há uma aceitação social da condição de activista como algo natural, permitindo aos activistas actuarem como os porta-vozes das causas sociais, políticas e ambientais africanas, sem precisarem de um mandato ou legitimação, bastando, para o efeito, a valorização da imprensa e da capacidade de mobilização gerada em prol da sua causa. Esta actuação dos activistas não merece um escrutínio da sociedade ou da imprensa, o que torna mais fácil a tarefa de preparação de uma agenda do activista, quando comparada à do político.
Deste modo, o activista passou a representar um sujeito com um status social diferenciado, o que lhe permite falar em nome do seu povo, confrontar as autoridades estatais e, ainda, ser merecedor de uma solidariedade nacional ou internacional, caso venha a sofrer abusos por parte do próprio Estado.
Estes activistas podem ser vistos como actores revolucionários do século XXI que se sentem legitimados para falar em nome dos povos oprimidos e dar voz às injustiças e às desigualdades sociais nos palcos internacionais. Acabando, portanto, por ser uma categoria que concorre directamente com os políticos e que procura estabelecer uma agenda política própria sem qualquer legitimidade eleitoral, apenas movida pelo espírito de protecção de causas sociais, políticas, ambientais e outras.
Perante o triunfalismo do activismo no século XXI, impõe-se a seguinte reflexão: teremos de ser todos activistas para podermos exercer os nossos direitos em África?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.