A grande tentação, quase impositiva na política actual, é a de querer ser tudo para todos. Por pragmatismo, por instinto de sobrevivência, ou simplesmente por falta de cultura e de ideias, assistimos a uma fuga permanente ao compromisso identitário nos partidos do arco democrático. Verdade seja dita, os últimos resistentes são os comunistas; apoiam sem vergonha a ditadura venezuelana, branqueiam a desgraça cubana com unhas e dentes e resistem a não condenar a loucura opressiva norte-coreana. Não concordo com nada do que pensam e praticam, mas sei o que pensam e sei porque não concordo; ninguém se pode dizer comunista e enganado ao mesmo tempo.

Esta morna letargia ideológica coincide e favorece a cada vez maior pulverização dos valores de referência da nossa sociedade. Se ninguém se atreve a pensar em nada, muito menos se atreverá a dar a cara pelo que quer que seja. A coragem caiu em desuso, a frontalidade é desaconselhada a quem quer subir na vida, o que quer que isso hoje queira dizer. A gincana dos dirigentes sem direcção alimenta-se de pequeninos casos, de contabilidades avulsas, de retóricas ocas. Vence o mais truculento e mais habilidoso.

Valerá a pena aferir da importância do debate político actual na definição do nosso futuro, da relevância das notícias que nos distraem no quadro mundial. Ora, neste mundo novo vencerão, como no mundo velho, os mais fortes. Vencerão os que sabem o que querem e para onde vão. Curiosamente, só os extremos parecem saber por onde seguir, ou pelo menos onde querem chegar. Na indefinição da cultura ocidental, definem-se os que a querem ver destruída.

O pânico de assumir uma superioridade cultural e civilizacional remete-nos para a submissão ao impensável. Apressamo-nos a relativizar a herança de uma religião de paz, tolerância e amor perante quem prega a guerra, a intolerância e o ódio. Sim, nós somos o rebanho de S. João Paulo II, aquele que perdoou com Amor Ali Agka naquela cela; não somos dos que prometem morte a quem discorda, ou expulsa um Povo da sua terra com a leitura fundamentalista de profecias  que o próprio Deus tratou de actualizar. A afirmação inequívoca desta valiosa herança de Paz, Tolerância e Amor faz-se com energia, inteligência e determinação; capitular em equívocos é permitir o avanço da negação de tudo isto.

Voltando aos comunistas, têm a honestidade de não pretender defender o capital, a iniciativa privada, a livre circulação de pessoas e bens, a liberdade de imprensa e a Democracia. A sua via é a luta de classes, a ditadura do proletariado, o estatismo proteccionista e uma liberdade de imprensa à medida da que o camarada/censor Saramago nos mostrou nos idos de 70. Dir-me-ão que os comunistas nunca ganham eleições livres precisamente por se saber o que pensam. É verdade, mas os comunistas são apenas os que restam de um tempo ideológico e de intenso confronto de vias de projecção de futuro.

A Europa desenvolveu-se e reafirmou-se na tensão dialética entre a social-democracia e a democracia cristã. Crescemos a saber o que pensavam e queriam Churchill, De Gaulle, Adenauer, Thatcher, Giscard D’Estaing, Miterrand, Schmidt, Palm, Suarez, Kohl, Soares e Sá Carneiro. Hoje sabemos de um bando de tecnocratas enredado nas questões económicas do futuro imediato, seguido por um bando de patetas em luta desesperada pela sua sobrevivência política pessoal.

Neste tudismo militante, defende-se tudo e o seu contrário. Diz-se defender a iniciativa privada enquanto se vota a intrusão do Estado na composição dos conselhos de administração das empresas; rotula-se de xenofobia a exigência do cumprimento da lei geral e universal por todos sem excepção; tem-se uma posição de permanente reserva e quase vergonha em relação à nossa Igreja, enquanto se congratulam com cedências e privilégios inusitados a outras confissões; defendem-se os chamados direitos das mulheres e encobre-se quem os viola.

Este tudismo é morno e profundamente perigoso, não é a alternativa aos extremos, é a capitulação inglória, é o pasto dos jacobinos da desconstrução social, dos inimigos da liberdade, dos avessos à democracia, dos cavaleiros das trevas que matam nas nossas cidades.

Ultimamente, tem partido gente que pensava diferente de mim, ou melhor, pela dimensão, de quem eu divergia em pensamento, como Soares ou mais recentemente Max Gallo. Dou por mim com um pesar profundo pela partida de cada Homem que teve a ousadia de pensar e agir com coragem, e em conformidade com as suas ideias, diferentes das minhas, é certo, mas muito longe deste tudismo que nos asfixia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.