Vou de férias dentro de dias e vou tornar-me naquilo de que fujo no centro de Lisboa: mais um turista numa armada de turistas. Gozámos tanto com os japoneses de máquina fotográfica em punho e acabámos por nos converter na sua pior caricatura, sempre de olhos em bico com uma voraz incapacidade para ver e ouvir e estar com os outros, os locais, os da terra, os que lá moram e que estão a ser expulsos das suas cidades e vilas e casas e quartos para lhes dar espaço e vista – “vista mar” e “vista Tejo”, expressões em português inacabado, típicas do trespasse da alma que dá corpo a um reles cardápio turístico.

As genuínas e belas vista do Tejo e do Atlântico implicam mostrar abertura a uma relação de proximidade e ainda vontade de misturar-se para não ser visto, não ser notado. Ou, simplesmente, estar com os outros sem lhes impor maneiras e feitios e gostos e pontos de vista absurdos e muito inconvenientes para aqueles que respiram o mar e o Tejo todos os dias.

Eu gosto de uma Lisboa cosmopolita, mas não desta imposição grosseira, inculta e tantas vezes grotesca. Eu não quero pagar vinte e tal euros por um miserável pires de atum (prato principal) num restaurante chamado “Bastardo”, filho dileto da ganância, que fica ali numa esquina do Rossio – tempos houve em que as esquinas eram mais bem frequentadas. As infelizes moças dessas esquinas propunham um serviço por um preço mais justo do que aquele que salta à vista em lupanares da estirpe do “Bastardo”. Há tantos sítios assim nesta Lisboa ocupada.

E depois há o outro lado desta história. Os imigrantes do Sudeste asiático, alvos da direita radical e da extrema-direita. Eles estão aqui também, são outro tipo de vítimas, Vítimas com maiúscula – nós somos apenas lisboetas irritados e desiludidos, somos burgueses. Estas pessoas também estão em Lisboa, estão enfiadas e escondidas nas cozinhas destes restaurantes que abastardam Portugal. Estão nas centenas de estufas que dizimaram o litoral alentejano, convertendo os campos numa oceânica tenda de plástico onde disfarçamos a nova escravidão.

Ainda ontem os vi, sentados no chão à beira de uma estrada secundária antes de Aljezur. Vi vários grupos assim, trinta ou mais pessoas de cada vez, à espera de um transporte qualquer que os levasse à estufa onde iriam cozer o cérebro para nos satisfazer a súbita vontade de frutos silvestres. E que tal construirmos paragens de autocarro para estas pessoas, com cadeiras e abrigos para o sol? E que tal não esperarmos pela época das reportagens televisivas para nos confrontarmos – e logo esquecermos – a infâmia dos catres onde pessoas como nós tentam viver?