As caóticas manifestações ocorridas na Catalunha após a condenação pelo supremo tribunal espanhol de nove dirigentes catalães, resultam da abertura por estes de uma brecha no Estado de Direito. Ao ultrapassarem a fronteira da legalidade, estimularam e legitimaram a agressividade nas palavras e a violência nos actos das multidões, que mais não são do que a tradução pelas massas da transgressão dos políticos. Porém, a violência, tal como a acção política na ilegalidade, não são formas aceitáveis de expressão de uma vontade num país democrático.

Pretendendo, em 2017, confrontar o governo de Espanha com a independência como facto consumado, os independentistas visaram forçar o Estado a recorrer à plena força da lei – seja no tribunal, seja na contenção das alterações à ordem nas ruas – como expediente útil, em seu entender, para amealhar um capital de queixa no palco político internacional.

Todavia, a estratégia revelou-se falha, pois a causa independentista não comoveu o mundo e os governos fecharam-lhe as portas. Daqui resultou que os independentistas estão agora imobilizados na própria armadilha, pois não conseguem avançar no processo de independência, na medida em que sem reconhecimento internacional não tem valia alguma como forma de pressão sobre a Espanha, nem recuar, sem que isso seja por eles entendido como sinónimo de capitulação.

Persistem assim, no estado de permanente conflito e em proclamações ocas, episodicamente reavivadas, que se justificam e esgotam em si mesmas. Desta feita, o pretexto para os clamores contra o Estado espanhol foi a condenação dos ex-dirigentes catalães, alegando ser motivada por razões políticas. Todavia, foram eles mesmos que, ao optarem pela superação das fronteiras da legalidade, forçaram a acção da justiça.

A crítica à dureza das penas também carece de sentido, pois os juízes decidiram em função da lei, que é o seu guia, observando todas as garantias de defesa, tendo as condenações tido apenas esta por base, como é expectável que suceda. Se as atenuassem ou simplesmente não condenassem os réus, aí sim, estariam a deliberar não exclusivamente na observância da lei, agindo não judicialmente, mas politicamente.

Por seu turno, a concessão de um indulto, decisão que é prerrogativa dos políticos, demonstraria uma fatal fraqueza moral do governo perante um desafio à integridade da Constituição e atendendo à ausência de arrependimento dos condenados à mais que certa reincidência nos delitos por que foram condenados.

A única alternativa que resta à causa independentista é, portanto, o abandono da posição marginal em que se colocou, regressando à legalidade, que não é sinal de tibieza, mas a única posição aceitável e potencialmente profícua, mostrando-se disponível para negociar, com a flexibilidade que as negociações requerem, explorando vários cenários possíveis, com vista a uma solução que seja aceitável pela outra parte.

Por outra parte se entende não apenas o governo de Madrid e os restantes espanhóis, mas também os muitos catalães que não desejam a independência e que serão, aliás, maioritários. Tal ficou claramente indiciado nas eleições do passado domingo, nas quais os partidos independentistas voltaram a não alcançar a maioria dos votos na Catalunha, com a ERC a perder dois mandatos.

Só através do diálogo e da moderação se alcançará uma solução estável, duradoura e consensual, que poderá passar por um novo alargamento da autonomia ou, mesmo até, por uma solução federal, possibilidades que, tal como o regime autonómico – inconcebível durante o franquismo – se tornou real por via da constituição democrática, negociada e universalmente sufragada e não através de actos de desobediência institucional e de tumultos nas ruas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.