O sistema internacional vive uma transformação estrutural, marcada pela erosão gradual da hegemonia dos Estados Unidos e pela ascensão de novos polos de poder. Segundo estimativas do FMI e do Banco Mundial, a participação dos EUA no PIB global caiu de cerca de 24% em 2000 para 15% em 2023, enquanto a China saltou de 4% para 18% no mesmo período.

Esse deslocamento é acelerado pela expansão dos BRICS – que agora inclui Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes – e pela multiplicação de acordos comerciais em moedas locais, como o yuan-rublo e o real-peso argentino. Diante disso, Washington tem adotado, na última década, uma estratégia de contenção agressiva para preservar sua influência, mesmo à custa da estabilidade global.

A guerra na Ucrânia tornou-se o epicentro dessa estratégia. Sob o governo Biden, os EUA destinaram mais de US$ 75 bilhões em ajuda militar a Kiev e ampliaram a NATO, ignorando alertas históricos sobre os riscos da expansão para o Leste.

O resultado foi uma Europa ainda mais dependente militarmente de Washington: cerca de 70% do armamento ucraniano vem de EUA e Reino Unido, enquanto a União Europeia fracassou em consolidar uma política de defesa autônoma. A suspensão do Nord Stream 2, por pressão americana, agravou a crise energética europeia: os preços do gás no mercado à vista chegaram a saltar até 1.600% em 2022, e as tarifas residenciais na Alemanha subiram até 200%. A dependência estratégica do continente ficou exposta quando alternativas – como as importações de GNL dos EUA – se mostraram mais caras e insuficientes.

No campo econômico, as medidas são igualmente contundentes. O tarifaço anunciado por Donald Trump recentemente – com taxas de 54% sobre produtos chineses e 20% sobre itens europeus – visa a restauração da indústria americana, além da reconfiguração das alianças globais. A estratégia busca forçar realinhamentos geopolíticos, ao impor aos países a necessidade de escolher entre Washington e Beijing. Estimativas sugerem que essa política pode reduzir o PIB global em até 1% até 2026. Mais uma vez, a Europa paga o preço e o continente observa uma significativa realocação de investimentos da Europa para a Ásia em 2024.

O continente europeu enfrenta agora um dilema existencial. A indecisão tem custos evidentes: além das perdas econômicas, a União Europeia vê sua relevância geopolítica diminuir diante de atores mais ágeis e assertivos.

O mundo caminha para a multipolaridade. Washington insiste em preservar a hegemonia, num vale-tudo, num mundo que já não existe, enquanto a Europa, sem projeto próprio, arrisca tornar-se mero apêndice de um sistema em transformação. O futuro pertencerá a quem souber adaptar-se – e, até agora, poucos parecem compreender as novas regras desse jogo.