Os incêndios nos últimos meses têm sido a consequência mais imediata e dramática da seca por que Portugal está a passar. O relatório mensal do Instituto Português do Mar e da Atmosfera reporta quase 99% do país em seca em setembro, dos quais 81% são de seca severa e 7,4% de seca extrema (dados de monitorização do IPMA).

Com a seca, e a par dos incêndios, a descida no nível de água das albufeiras traz também efeitos nefastos. Olhar para a produção de eletricidade em Portugal nos últimos meses faz esquecer que em maio de 2016 o país conseguiu o recorde de 107 horas seguidas de produção elétrica de origem renovável. Nessa altura, mais de metade da produção elétrica foi de origem hídrica, atingindo os 80GWh num só dia. Neste mês de outubro, que deveria ser outra época chuvosa do ano, tivemos uma drástica queda de 81% naquela produção (de 16GWh para 3GWh nos dias 16/Outubro de 2016 e 2017, respetivamente, segundo dados da REN).

É importante haver uma clara noção destes valores tão de extremos para conseguirmos materializar mais uma das dimensões do problema que nos assola. A seca nas barragens aumenta o custo com as energias utilizadas para produzir eletricidade, e com as emissões de carbono, pois obriga à utilização de carvão e gás, mais caros e mais poluentes. Traz também preocupações quanto à segurança do abastecimento de água e da irrigação, aspetos críticos no curto e médio prazo para a agricultura e pecuária, e para o bom funcionamento de todos os ecossistemas.

Atualmente, depois de grandes controvérsias relacionadas com barragens de dimensões impróprias, como a das Três Gargantas na China, multiplicaram-se as pequenas hídricas com menores custos e impactos no ambiente, com o objetivo principal de apoio à conservação de água. As preocupações com secas mais recorrentes têm feito destas barragens mais pequenas uma ferramenta de adaptação às dificuldades climáticas, onde um fácil acesso a água apoia as regas dos campos.

Neste momento de seca severa, e após os incêndios do fim de semana, não há como escapar aos chavões da “conservação” e “adaptação”, que desde 2010 são parte da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC). Há sete anos que temos resultados de análises consistentes que consideram projeções climáticas de redução da precipitação, e que apresentam o regadio como uma “medida de adaptação prioritária e essencial para a moderação de muitos microclimas, para a criação de barreiras contra incêndios e como suporte indispensável para a produção de alimentos e de outros produtos vegetais.” (ENAAC), promovendo a construção de barragens, de reservatórios e de açudes para reforço do armazenamento. Dentro das inúmeras chamadas de atenção que houve nos últimos anos para problemas na prevenção de incêndios, este é apenas mais um.

Em Portugal, a água é assim muito importante para a produção de eletricidade hídrica, mas também para a rega, onde apenas 25% é superficial, de albufeiras e lagos, de acordo com os últimos dados do Recenseamento Agrícola (2009). Tentando contrariar o literal ditado, que diz que só percebemos o valor da água quando a fonte seca, o real armazenamento de água não pode ficar esquecido quando se repensar a gestão florestal e agrícola, para mais num contexto de mudanças climáticas que, visivelmente, estão a ser mais bruscas que o esperado e mais rápidas que a nossa capacidade de adaptação.