A manchete de hoje toca numa ferida profunda do Estado português, uma ferida que já gangrenou sem que haja a mínima intenção política de pôr fim a esta falta de decoro na gestão da coisa pública: refiro-me à inaceitável decisão de governos sucessivos deixarem aos tribunais arbitrais ad hoc, por natureza opacos e mal regulados, decisões com impacto nas contas públicas.
A notícia que damos na edição de hoje dá conta do inquérito aberto pelo DCIAP às relações entre a ANA-Aeroportos e o ministro Miguel Pinto Luz, relações que têm como pano de fundo mais um destes pseudo-tribunais que se revelam quase sempre fatais para o país. Só o tempo nos dirá se, neste caso, além do fumo há mesmo fogo, embora seja justo e, por isso, fundamental deixar escrito que a presunção de inocência é inegociável – o que em nada enfraquece a informação e a investigação em curso.
Nesta fase, em vez de julgarmos os envolvidos no volátil tribunal da opinião pública, um hábito tenebroso e rancoroso, o mais importante, além de deixar o DCIAP trabalhar, é mesmo olharmos para os tribunais ad hoc, exigindo a este Governo — o anterior deixou o banquete e a festa continuarem —, mas também à oposição, que abdiquem de resolver os diferendos do Estado com os privados neste quarto secreto e escuro do regime, longe de todos os olhares e escrutínio. A arbitragem regulada existe e justifica-se, porque é célere e competente, tem fiscalização e caminha no sentido certo. A arbitragem ad hoc vive em contramão. Tem de acabar, já.
Nota: em tempos trabalhei com a arbitragem regulada, sei do que estou a falar.