Vêm de criança as memórias do que me contavam do inverno do Algarve. Nas semanas que religiosamente passávamos no Barlavento, reinava o frenesim dos turistas. Eram de todos os lados e estavam por todo o lado. Praia, bares, hotéis, apartamentos e ruas cheias.

Recordo-me das pessoas sentadas nos muros porque os bancos de jardim não chegavam. E das mesas nos restaurantes que eram para os estrangeiros que as podiam pagar. E que nelas não havia lugar para nós, porque estavam sempre cheias, mesmo se quiséssemos fazer uma pequena loucura.

Mas também ouvia as histórias de que a partir de setembro tudo era diferente. Que os professores regressavam aos apartamentos onde estavam os turistas, que as cidades morriam, que dois terços das lojas e restaurantes fechavam e… que deixava de haver dinheiro.

Naquela época, pouco mais do que o Algarve era turístico. Hoje, já grande parte do país vive esta dinâmica e enche os bolsos mesmo dos que em março vociferam contra o Alojamento Local. O pessimismo e irritação que observo no Portugal dos últimos meses fez-me lembrar o que me contavam do Algarve no inverno.

Vejo mais desemprego sazonal, menos dinheiro a circular, desânimo, migrantes que partem ou que desesperam. Um verdadeiro sentimento de hibernação e de casa que não tem pão. E se os centros urbanos portugueses já estiverem neste registo sazonal? E se o inverno luso já for mesmo difícil de passar, sobretudo agora que a inflação aperta, os juros também e todos precisam de tudo e já?

O verão está à porta e, com ele, o otimismo prestes a regressar. É provável que volte a ser, felizmente, mais um bom ano para o turismo e que entre mais dinheiro fresco a troco de peixinho e vinho verde.

Talvez a médio prazo a mão de obra mais vulnerável encontre novas soluções para fugir à sazonalidade da economia, do dinheiro e da confiança. Mas, para já, há que surfar a onda e aproveitar o que aí vem.