Há ou não “lições” a retirar do resultado das eleições em Espanha? Na minha opinião, há mais ilações do que lições. Alguns comentadores recusaram qualquer paralelismo, outros afirmaram não haver lições a retirar, mas acabaram por retirar algumas.

Partilho a opinião de João Miguel Tavares no “Público” (“Só se fala em extremos, mas a grande vitória foi ao centro”, 25/07/23) e de Tony Barber no “Financial Times” (“A victory for common sense in Spain”, 29/07/23). Os dois principais partidos da era democrática pós-Franco somaram 64,8% dos votos (PP 33,1% e socialistas 31,7%), embora ainda abaixo dos 80% das eleições de 2004 e 2008.

Barber refere a história do que se passou em Santa Cruz de Bezana, um município de 13.700 habitantes na região norte da Cantábria, onde o governo local está nas mãos de uma coligação PP-Vox. Pouco antes da eleição, a coligação bloqueou a exibição do filme de desenho animado “Buzz Lightyear” alegando que numa cena duas mulheres se beijam (no “El País”).

Esse episódio caracterizou o que, para muitos espanhóis, era o risco de votarem numa coligação PP-Vox a nível nacional. Após as eleições locais em maio, as coligações de direita apareceram em cerca de 140 municípios de várias regiões. Num país em que as liberdades política e de costumes valem hoje a Espanha o epíteto “Escandinávia no Mediterrâneo”, a censura em Bezana caiu muito mal e recordou um passado indesejado pela grande maioria.

A recusa de Feijóo em ser claro quanto à possibilidade de uma aliança pós-eleitoral com o Vox tem sido apontada, quanto a mim corretamente, como um erro, para além de outros, como a recusa em participar no último debate eleitoral na TV. A meu ver, a ambiguidade impediu a vitória do PP.

A ambiguidade é inimiga da confiança. Sem confiança não há voto. A confiança só pode ser construída com transparência e com audácia responsável, com clareza e previsibilidade quanto ao sentido de decisões de política (policy).

A primeira ilação que retiro das eleições em Espanha é a da necessidade dos sociais-democratas portugueses serem absolutamente claros quanto às alianças que irão ou não fazer após (ou antes) das eleições. Não pode haver ausência de transparência.  O PSD tem de enfrentar com visão estratégica e comunicação a necessidade (e desejo) de alternativa ao atual status quo.

A segunda ilação é que se tornou evidente a grande oportunidade que se apresenta aos sociais-democratas nas próximas refregas eleitorais. Os eleitores não deverão ser colocados perante o dilema de terem de votar à “esquerda” ou à “direita”, mas sim entre o descalabro socialista e a eficácia social-democrata, noções menos abstratas que podem ser atribuídas a práticas concretas conhecidas dos eleitores.

Os sucessos de Portugal no passado foram todos sociais-democratas. A social-democracia é uma filosofia política, social e económica que defende a democracia política e económica, baseada na liberdade individual e que promove a justiça social. Por definição, os sociais-democratas estão estrategicamente colocados para conseguirem a confiança da maioria do eleitorado, mais ao “centro”, mais “à esquerda” ou mais “à direita”.

Os insucessos de Portugal têm todos origem em políticas socialistas. Os estudos de opinião revelam o enorme descontentamento com o governo socialista, pelo que as operações de sedução do eleitorado com a distribuição de mais dinheiros públicos já começaram tentando contrariar esse mau karma.

É essencial que os sociais-democratas não abrandem explicar que nenhumas dessas pontuais benesses resolverão os problemas de fundo que emanam da falta de visão e inépcia da governação socialista: o continuado empobrecimento dos portugueses, o permanente estado de crise do Governo, a ausência de estratégia para o enriquecimento do país, o apoderamento do aparelho de Estado pelo partido, a desconsideração da liberdade individual e da iniciativa privada, a incompetência na gestão dos ministérios, a rarefação de pessoas com qualidade para assumir pastas ministeriais, a falta de previsibilidade legislativa e fiscal, os desastres na saúde, na educação, nos transportes, etc.

Por vezes, o nosso adversário não é o “outro”, o nosso concorrente. Como disse Reid Hastings, cofundador de Netflix, o seu principal concorrente era o “sono”, ou seja, os espectadores deixarem de prestar atenção aos seus produtos.

Por vezes, o nosso adversário poderá ser nós mesmos, por exemplo, por falta de autoconfiança. Ou poderá ser fatores extemporâneos, como por exemplo, a falta de crescimento económico. De facto, esse é o verdadeiro adversário dos sociais-democratas. Tem de ser enfrentado com transparência e audácia.