Passou muito ao lado da nossa informação dita “de referência” a deliberação tomada na passada sexta-feira pelo Parlamento finlandês de, antecipadamente, fazer saber que vetava o plano de recuperação financeira que a Comissão Europeia elaborou para levar à próxima cimeira do Conselho Europeu – onde deverá ser aprovado por con­senso dos chefes de Estado e de governo dos 27 Estados-membros da União Europeia e, posteriormente, pelos parlamentos nacionais dos mesmos Estados.

A generalidade dos observadores dava como mais ou menos garantido que na dita cimeira europeia o plano da Comissão Europeia acabaria por ser aprovado, não excluindo, contudo, a possibili­dade de, posteriormente, o mesmo tropeçar num ou noutro parlamento nacional, invi­abilizando a sua aprovação e entrada em vigor.

Sem esperar, porém, pela celebração da cimeira europeia, o Parlamento de Helsínquia deixou a sua posição muito clara, contrária à proposta do executivo comunitário. Basi­camente, apresentou três argumentos para defender a sua posição: a duração do pro­grama previsto pela Comissão Europeia; o prazo previsto para os Estados-membros be­neficiários do referido programa devolverem à Comissão os empréstimos que venham a receber e que poderia ascender a 30 anos; e, finalmente, o valor previsto para as subvenções a atribuir a esses mesmos Estados, isto é, daquelas verbas que o pro­grama europeu prevê que sejam transferidas sem obrigação de devolução por parte dos referidos Estados.

Em síntese, muito dinheiro emprestado por muito tempo e desequi­líbrio entre as verbas transferidas a título de empréstimo e as transferidas a título de subvenções. “No que diz respeito ao Fundo de Recuperação, a Grande Comissão [comis­são parlamentar responsável pelas políticas europeias da Finlândia] considera que a po­sição prudente do Governo sobre a proposta coincide com a estratégia da Finlândia para o longo prazo e, portanto, é a forma mais apropriada de enfrentar esta fase de negociações”, explicou a comissão parlamentar em comunicado.

Face a esta posição antecipadamente adotada e tornada pública pelo parlamento de Helsínquia, parece inquestionável que está posto em causa, pelo menos nos exatos ter­mos em que foi apresentado, o grande plano de recuperação da Europa para combater os efeitos económicos, financeiros e sociais da pandemia, desenhado pela Comissão Eu­ropeia, sob o impulso decisivo da Alemanha e da França. Antecipadamente já se sabe que, pelo menos um dos 27 governos da União, se lhe irá opor, o que comprometerá irremediavelmente a viabilidade do projeto apresentado.

Na situação atual da Europa, todavia, não será pensável que deixe de existir um mega-programa do género do que foi idealizado e apresentado pela Comissão Von der Leyen. Os Estados europeus necessitam dele de forma imperiosa e entre os mais necessitados encontram-se três das principais economias europeias – a francesa, a italiana e a espa­nhola.

Até porque, a não existir um apoio comunitário do tipo do que foi apresentado, uma das poucas alternativas possíveis passaria por continuar a recorrer ao expediente da compra de dívida pública por parte do Banco Central Europeu, o qual depois de uma deliberação inicial de compra de mais 750 mil milhões de euros de títulos da dívida dos Estados, reforçou essa deliberação com uma nova decisão de somar mais 600 mil mi­lhões de euros à verba inicialmente aprovada.

A limitação do apoio europeu a este ex­pediente, porém, afigura-se não só como insuficiente mas, também, como suscetível de criar novos problemas e novas divisões no quadro europeu. Se dúvidas houver, recorde-se o que foi dito, recentemente, no célebre acórdão do Tribunal Constitucional alemão sobre a adequação deste tipo de atuação do Banco Central Europeu não só às regras do direito comunitário como às regras da própria Lei Fundamental alemã. Tudo visto e pon­derado – se não por via da solidariedade pelo menos por via da racionalidade – a União Europeia vai mesmo ter de apresentar e aprovar um programa de auxílio e apoio aos seus Estados-membros.

O grande problema que se pode colocar no imediato, porém, tem a ver com uma ques­tão de timing e de prazos. É que a economia dos 27 não se vai compadecer com atrasos e delongas típicas dos processos europeus de decisão. E enquanto políticos e burocratas se entretêm em Bruxelas e nas capitais europeias discutindo pormenores e detalhes, lá fora há um mercado único que não pára, há 27 economias que asfixiam, há empresas, famílias e trabalhadores que lutam desesperadamente pela sua sobrevivência – e que cada vez entenderão menos esta Europa dita da União, que se diz fundada nos valores da solidariedade.

Valores proclamados mas raramente aplicados com a prontidão que se exige. A prova definitiva, se fosse preciso dá-la, da premência e da urgência com que muitos Estados estão à espera destes apoios comunitários, foi-nos dada há apenas dois dias, quando o Presidente do governo espanhol se disponibilizou a retirar a candidatura da sua ministra da economia – Nadia Calviño – ao cargo de Presidente do Eurogrupo a troco do recebimento imediato das verbas que Madrid espera receber da União Euro­peia.

Este vai ser, portanto, o tempo do verdadeiro teste à coesão, solidariedade e união da União Europeia. Entre Estados mais frugais ou menos frugais, que todos os Estados-membros não se esqueçam que a União deve conferir primazia aos europeus e às suas concretas dificuldades. Quem não perceber essa realidade tão simples, talvez não tenha percebido bem a que organização aderiu quando subscreveu o respetivo Tratado de Adesão…