Viajar tornou-se uma obsessão na sociedade actual. A diminuição dos custos das viagens, a oferta de novas e mais módicas soluções de alojamento e a maior facilidade de agendamento através da Internet, multiplicaram as deslocações de milhões de pessoas. Se a viagem foi outrora encarada sobretudo como forma de descontracção e de busca de conhecimento, a sua massificação e a frequência com que as pessoas se deslocam de país em país, revela que aquela não propicia nem o descanso nem a ilustração do viajante, antes o sujeita ao mesmo ritmo azafamado da sua vida quotidiana, apenas numa geografia diferente e em trajes mais casuais.

O turista enfrenta nas suas deslocações voos muitas vezes desconfortáveis, filas e atrasos nos aeroportos, longas esperas pelas bagagens e, chegados ao destino, novas filas para visitar os monumentos e sítios históricos, apinhados de multidões de telemóvel em punho, ávidas de registar para a posteridade a sua passagem por aqueles locais. A fruição perde-se e o turista sai de um museu ou de uma igreja pouco ou nada aprendendo sobre o que visitou, tornando aparentemente inútil a sua deslocação a tais locais. Aparentemente, apenas, pois o turista dos dias de hoje não procura tanto descansar e cultivar-se, antes partilhar a sua viagem, dá-la a conhecer àqueles com quem se relaciona. Ou seja, não viaja para si, viaja essencialmente para os outros.

Embora o viajante sempre tenha apreciado revelar aos demais o quão viajado é, as redes sociais exponenciaram essa tendência exibicionista. Através destas é possível expor cada instante das viagens em tempo real. Tornou-se menos importante a contemplação dos locais que se visitam do que tirar selfies para mostrar aos outros que se esteve lá. Desvaloriza-se o conhecimento mais aprofundado de uma cidade e dos hábitos locais, que requer tempo, preferindo-se viajar constantemente de um lado para o outro, por forma a ostentar-se num mapa do Facebook os países por onde se passou.

A viagem, assim entendida, torna-se não apenas fútil, mas reveladora também de uma contradição, pois lesiva para causas que a sociedade contemporânea valoriza, ou diz valorizar. Desde logo, porque compromete a preservação dos bens culturais. O aumento de número de visitantes põe em risco a integridade dos edifícios históricos, pois não apenas estão, em muitos casos, fragilizados pela passagem dos séculos, como não foram concebidos para receber multidões a um ritmo diário.

Por outro lado, a intensificação das deslocações tem severas implicações ambientais. O uso do avião, cujos níveis de poluição aumentaram em dois terços desde 2005, ameaçará, nas próximas décadas, mais do que qualquer outra actividade humana, a qualidade do ar. Por seu turno, os navios de cruzeiro são também significativas fontes de poluição. Como foi recentemente noticiado, os navios de uma só empresa de cruzeiros emitiram dez vezes mais óxido de enxofre do que a totalidade dos automóveis em circulação na Europa. Ou seja, a mesma humanidade ou, melhor, a parte dela, que combate com zelo cruzadístico os sacos de plástico, passeia-se alegremente deixando, sem sobressaltos de consciência, uma gigantesca pegada ecológica.

Agora que o tempo de férias se aproxima, seria útil uma reflexão acerca do que fazer na pausa do trabalho. Vivemos tempos acelerados, o que criou uma espécie de fobia da quietude. Estamos a perder a noção do ócio, da contemplação e do silêncio. Perdemos o conceito de viagem enquanto momento nosso e para nós. E estamos a comprometer o futuro colectivo, quer porque o legado do passado, uma vez perdido, não é recuperável, quer porque não temos um planeta de reserva.