Duas mortes na Mouraria, num rés-do-chão onde habitavam 22 pessoas e se paga 150 euros/mês por um beliche.

Tráfico humano será sem dúvida se houver investigação séria, exploração laboral também, e tudo consubstanciado numa evidente miséria de quem vem para Portugal ganhar as migalhas que ninguém quer comer, mas que são mais suculentas do que a pobreza a que fugiram no Paquistão, Índia, Nepal, Bangladesh ou Filipinas.

Depois, quando vemos o salário da presidente da TAP e o seu bónus levam-nos a pensar que há mundos paralelos que parecem desiguais e injustos. Seria fácil para populistas fazer destes dois casos duas faces de uma moeda diametralmente opostos, mas não podemos lavrar nesse erro.

O que está erradíssimo, e é uma doença das sociedades ocidentais ainda sem cura, é o primeiro caso, pois não há quem queira fazer determinadas tarefas e é de outras longínquas latitudes, com enorme densidade populacional, fracas saídas para um futuro melhor e uma pobreza endémica, que vem a mão-de-obra que executa serviços pagos ao cêntimo, sem qualquer defesa e, muitas vezes, com exíguo respeito.

Pagar altos salários e atribuir prémios de desempenho são práticas habituais em empresas, contudo, o problema da TAP é que é uma companhia nacionalizada, tem mais de 3,2 mil milhões do nosso dinheiro lá injectados e para a qual se exige toda a transparência, porque toca nos bolsos e percepções dos portugueses.

Por isso, quando o Jornal Económico fez manchete na semana passada com o prémio dos três milhões que podem ser ilegais, a notícia tornou-se um embaraço para a companhia e para o ministro que a tutela, João Galamba. Não pelo bónus em si, mas porque se o mesmo tivesse sido divulgado cristalinamente desde o início do processo de contratação da presidente, não surgiria agora uma situação de crise.

Sim, porque o pecado original é a geringonça ter nacionalizado a TAP, tornando-a assim um pântano para quem tem de a gerir e um pesadíssimo fardo financeiro e político como há muito digo na CNN Portugal. Para quem ainda não percebeu, a TAP é e será o Vietname deste Governo.

E a opacidade – que é o estado natural da gerência do sector empresarial do Estado, donde faz parte também a transportadora aérea – é o carrasco reputacional para quem foge da transparência como o diabo foge da cruz.

As sociedades modernas estão sem um pingo de tolerância para factos ocultados e gatos escondidos com rabo de fora. Exigem transparência e zelo na gestão da coisa pública e a TAP, por muito que os seus administradores não o compreendam, não é uma vaca sagrada.

Pelo contrário, não pode falhar com nenhuma informação e não pode navegar na lama da opacidade. Primeiro-ministro, ministro das Infraestruturas (actual e antigo), administração da empresa, quando se meteram nos trabalhos de a gerir deviam recordar-se do que dizia Willard (Martin Sheen) no início de Apocalypse Now: “ia para o pior lugar do mundo e não sabia”. Estava no Vietname, como os mencionados estão na TAP.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.