“Os advogados merecem mais respeito”, dizia o título do artigo que o jornal Público deu à estampa no dia 21 de junho de 2023. Quem assinava o texto não era a bastonária da Ordem dos Advogados. Não era sequer um advogado, mas antes o presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), juiz desembargador Manuel Soares.
O objeto da crítica eram as propostas de revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados e da Lei dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores, ante a forma pouco séria como a ministra da Justiça as submeteu à audição da Ordem. Num processo legislativo que a partir de então apenas se tornaria cada vez mais bizarro e sinuoso, as propostas de lei viriam a ser aprovadas, dando lugar a três diplomas que ou já estão em vigor ou passarão a estar no dia 1 de abril.
O que significam tais diplomas para a esmagadora maioria dos advogados?
Vou enumerar algumas das consequências prováveis, sem qualquer preocupação sistemática:
(1) o controlo, escrutínio e supervisão da profissão por um novo órgão da Ordem, o Conselho de Supervisão, constituído em 60% por membros não advogados;
(2) a drástica redução dos atos próprios dos advogados, agora limitados, no essencial, ao patrocínio forense;
(3) a erosão do princípio processual, já de si bem ténue na prática, da igualdade de armas entre advogado e representante do Ministério Público;
(4) a transformação do estágio técnica e deontologicamente habilitante numa barreira económica e social à entrada na profissão;
(5) a contração e desvalorização da Ordem dos Advogados, tanto por efeito da diminuição de novos profissionais, como pela consequente redução das receitas para o seu funcionamento;
(6) a crescente relevância da figura do jurista, sem estágio e sem regulação, enquanto prestador de serviços tendencialmente menos qualificado e mais barato;
(7) a emergência de megaestruturas de aconselhamento jurídico, físicas ou virtuais, que levarão ao progressivo desaparecimento dos escritórios de advogados não dedicados à litigância forense.
Há cerca de um ano, a ASJP fez publicar a sua importantíssima e injustamente ignorada Agenda da Reforma da Justiça. Aí se refere ser “fundamental que a essencialidade e importância da advocacia seja reconhecida e reiterada”. Ninguém ignorou tão ostensivamente este conselho dos juízes quanto o governo do Partido Socialista. Só por isso, não merece o voto dos advogados.