A obesidade é uma das epidemias globais do século XXI. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença crónica, a obesidade é também fator de risco para as doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, doenças respiratórias, alguns tipos de cancro e depressão, entre outras.
Durante a pandemia de Covid-19, percebemos que as pessoas com obesidade tinham um prognóstico mais reservado, com probabilidade aumentada de um quadro clínico complicado e mortalidade. As pessoas que vivem com obesidade, sofrem um forte impacto negativo na saúde física e mental, perdendo qualidade de vida e anos de vida saudável!
Nas últimas décadas, à escala global, o número de pessoas afetadas pela obesidade tem vindo a aumentar. No mundo dito desenvolvido, a obesidade é mais prevalente nos estratos socioeconómicos mais baixos. Nas regiões com menor rendimento per capita, por sua vez, a obesidade afeta, sobretudo, indivíduos com mais recursos, expandindo-se rapidamente aos restantes.
Em Portugal, a prevalência de excesso de peso (pré-obesidade e obesidade) aproxima-se dos 60% na população adulta e ronda os 30% em crianças e adolescentes. A proporção de adultos que vivem com obesidade no nosso país terá quadruplicado, em quatro décadas.
Em crianças, contrariando o decréscimo observado em anos anteriores, verificou-se um aumento do excesso de peso nos anos que sucederam à pandemia de Covid-19. Uma proporção significativa destes jovens irá manter ou agravar a sua condição clínica, sabendo-se que o risco de mortalidade prematura, antes dos trinta anos de idade, é três vezes superior em crianças com obesidade!
Obesidade, uma doença crónica
Portugal foi um dos primeiros países do mundo a reconhecer a obesidade como doença crónica, por intermédio da publicação da Circular Informativa A Obesidade como doença crónica, em 2004, pela Direção-Geral da Saúde (DGS).
O documento dava destaque à necessidade de “esforços continuados para [a epidemia de obesidade] ser controlada”. Não obstante, na década que sucedeu à sua publicação, a proporção de adultos com obesidade duplicou. A obesidade atinge os 13,5% em crianças e aproximar-se-á dos 30% nos adultos – números sintomáticos de um gritante insucesso no combate à obesidade.
A obesidade tem um peso muito negativo na vida das pessoas, impacto que se faz igualmente refletir nos custos em saúde e na economia. Em 2002, os custos diretos e indiretos da obesidade, em Portugal, somavam quase 500 milhões de euros – cerca de 300 milhões eram custos diretos. Em menos de duas décadas, esta parcela terá quadruplicado, com os custos diretos do excesso de peso a rondarem os 1,14 mil milhões de euros em 2018.
Notavelmente, a proporção mais significativa deste valor não seria alocada ao tratamento da obesidade, mas sim à abordagem clínica das suas complicações.
Um relatório dedicado aos cuidados de saúde na área da obesidade, prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), concluía que “no SNS encontra-se prevista uma abordagem integrada da obesidade, com articulação entre os diversos níveis de cuidados, que prevê a sinalização precoce e acompanhamento em consulta nos cuidados de saúde primários. Porém, a capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários nesta área encontra-se diminuída pela constatada carência de nutricionistas nos ACES [Agrupamentos de Centros de Saúde]”.
Atualmente, a resposta terapêutica mais estruturada para as pessoas com obesidade, no âmbito do SNS, será a cirurgia da obesidade. Não obstante o mérito e necessidade dos Centros de Tratamento Cirúrgico da Obesidade – seria uma desonestidade intelectual não o reconhecer, na medida em que integro a equipa multidisciplinar do Centro Hospitalar Lisboa Norte há vários anos – a cirurgia bariátrica deveria constituir a opção derradeira, para situações clínicas complexas e refratárias a abordagens prévias.
A Orientação da DGS Boas Práticas na abordagem do doente com obesidade elegível para cirurgia bariátrica, elenca como critério de elegibilidade o “insucesso das medidas não-cirúrgicas na redução ponderal, durante, pelo menos, um ano”. Desta forma, nenhum indivíduo deveria ser encaminhado para tratamento cirúrgico da obesidade sem antes ter acesso a uma abordagem terapêutica adequada.
Prevenção e intervenção atempada carecem de recursos
Segundo a OMS, a abordagem da pessoa com obesidade deve contemplar o acesso a profissionais de saúde treinados, à avaliação e monitorização do peso, a cuidados nutricionais adequados, à atividade física e ao apoio psicológico, bem como à farmacoterapia e, por fim, ao tratamento cirúrgico.
Os dados de que dispomos forçam assim a conclusão de que a prevenção e a intervenção atempada, apesar de reconhecidamente importantes e formalmente previstas, não estão a ser operacionalizadas e a receber a dotação de recursos necessária!
Em 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) destacava que, através do investimento na prevenção, os decisores políticos têm a oportunidade de mitigar o aumento da obesidade e beneficiar as economias. Como já se aflorou, em 2002 os custos indiretos da obesidade rondariam os 200 milhões de euros – valor que correspondia a perdas de produtividade, associadas à incapacidade temporária, e ao impacto económico da mortalidade prematura.
A OCDE destaca o impacto negativo do excesso de peso no absentismo, no presentismo, no desemprego e nas reformas antecipadas. Defende que ações de prevenção, de âmbito populacional, nomeadamente a adequação da rotulagem de alimentos e menus e as campanhas de comunicação, têm o potencial de promover ganhos em saúde e redução dos gastos.
Reconhecendo que os custos inerentes à sua execução podem ser altos e até superiores à poupança com tratamentos – obviamente estas ações podem impactar a coleta de impostos pelo Estado e representar perdas nas vendas e aumento dos custos, por exemplo associadas à necessidade de reformulação de produtos, para as empresas – a OCDE destaca que os ganhos ao nível laboral são tendencialmente várias vezes superiores.
A prevalência e impacto negativo no bem-estar individual e coletivo, condicionam o sucesso no combate à obesidade a um compromisso transversal de todos os atores envolvidos, tornando-a um desígnio global.
Aos cidadãos pede-se militância no autocuidado, monitorização e tomadas de decisão conscientes. Estas podem ser facilitadas pelos atores económicos, cumprindo a sua obrigação ética de contribuir para escolhas adequadas, melhorando a informação disponibilizada e oferecendo produtos com perfis nutricionais mais adequados.
Aos decisores políticos, cabe a proteção da saúde e a facilitação do acesso aos cuidados adequados pela população. A efetiva implementação de medidas já previstas, como o Processo Assistencial Integrado da Pré-obesidade, através da dotação de recursos humanos e materiais adequados, bem como a monitorização da sua efetividade, constituiriam um excelente ponto de partida.
Há muito que sabemos que a obesidade e as suas complicações representam um lastro insustentável para as pessoas e a economia, é tempo de agir!
José Camolas assina este texto na qualidade de autor do ensaio “Obesidade, Uma Questão de Peso?”, editado em 2023 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.