Encontrando-nos em alturas de fecho de contas, interessa refletir sobre os efeitos potenciais da atual pandemia nos relatórios a produzir relativos ao exercício terminado em 2019.

Cronologicamente temos um vírus que nasce em 2019, espalha-se rapidamente pelo mundo a partir de janeiro e causa um trambolhão na economia e nos mercados nos primeiros meses de 2020, altura em que as empresas se encontram a preparar, para divulgação pública, as suas contas relativas ao exercício anterior.

Serão raras as empresas que não sentem os efeitos do surto. Em muitas, os orçamentos, projeções e estimativas efetuados para 2020 caem por terra e nasce, para algumas, uma incerteza assustadora.

Em Portugal, o prazo de realização das Assembleias Gerais de apresentação das contas de 2019 foi excecionalmente adiado para 30 de junho de 2020. Nos Estados Unidos, a SEC adiou também para 30 de junho a prestação de contas pelas empresas. Outros países tomaram medidas semelhantes. Mas, nas contas das empresas materialmente afetadas pela pandemia deverá constar alguma informação?

Refere, desde logo, o artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais que o Relatório de Gestão deve conter “uma descrição dos principais riscos e incertezas com que (a entidade) se defronta”. Contabilisticamente, também a norma nacional NCRF 24, bem como a internacional IAS 10, referem o dever de divulgar informações sobre acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis para a entidade que ocorram após a data de balanço (no caso, 31 de dezembro de 2019) e antes da data em que as contas são assinadas pela administração ou gestão.

Apesar de não exigido legalmente, a Comissão de Normalização veio recomendar que até as micro-entidades, que beneficiam de um relato financeiro muito simplificado, divulguem acontecimentos posteriores à data de balanço.

Para aqueles casos, muito menos comuns, em que se estima, ainda que após 31 de dezembro (mas antes das contas serem assinadas pela gestão), que a empresa tenciona terminar a atividade no prazo de um ano (a contar de tal data), ou não tem outra alternativa realista senão fazê-lo, esclarecem as normas contabilísticas citadas que o pressuposto de continuidade não pode ser utilizado, devendo nesse caso ajustar-se as contas de 2019 como um todo, ou, havendo incertezas materiais que lancem dúvidas sobre a continuidade, que tais incertezas devam ser relatadas.

Algumas empresas, nomeadamente cotadas, já fizeram constar no seu relatório de gestão e/ou no anexo às contas relativas a 2019 estes acontecimentos. Apesar destes não terem afetado os valores de Balanço e Resultados de 2019, a lei comercial e as normas contabilísticas obrigam a que essas peças, produzidas já em 2020, façam estas referências, quando aplicáveis.

É natural que as grandes empresas, principalmente cotadas e com grande exposição ao mercado, façam esta referência, quando a pandemia tem impacto na sua atividade. Mas é também importante que as pequenas e médias empresas, nomeadamente de natureza familiar, não se esqueçam de fazer tal referência sempre que se verificar impacto da pandemia no seu negócio.

É uma medida de prudência, exigida legalmente, que visa informar os stakeholders. Mas é também uma oportunidade de os membros do órgão executivo mostrarem e divulgarem que estão atentos, a acompanhar a evolução do mercado e a tomar as medidas adequadas de mitigação dos riscos.