Perdi a carteira. Lá foram os cartões de crédito, o BI e a carta de condução. Pânico. Peguei no telemóvel e toca de anular os cartões porque, já se sabe, o primeiro pensamento vai p’ró dinheiro. Sempre eficazes, os serviços tranquilizaram-me quanto ao cancelamento dos mesmos cartões e propuseram, solícitos, a emissão de novo plástico, a chegar nos cinco dias seguintes. Uf, isto sim é serviço!

Feito o principal, virei-me para o acessório. Fui à Loja do Cidadão, dirigi-me ao balcão “Perdi a Carteira” e… não havia lá ninguém. Mas estava um cartaz que pedia para ligar para um número de telefone. Assim fiz. Navegado o menu robótico, atendeu-me uma senhora. Eram duas da tarde. Informou-me que o “Perdi a Carteira” só funcionava por marcação. Bom – disse, esperando o pior – quando me podem atender? Às 15h30, disse a senhora. De hoje?, indaguei incrédulo. Sim, respondeu. A essa hora vai estar uma senhora que chamará pelo seu nome. Cá estarei. E assim foi. Voltei à hora marcada e lá estava a senhora que me submeteu ao ritual de foto e impressões digitais, me deu uma guia para poder conduzir e me informou que receberia os códigos em casa nos dias seguintes. Onde quer levantar o BI? Pode ser em Oeiras? Vivo em Paço d’Arcos… Pode, claro. Saí, azoado, pela eficiência inesperada…

Três dias depois, recebi os códigos. Fui ao Registo de Oeiras, esperei cinco minutos, apesar da multidão, e levantei o glorioso Cartão do Cidadão! Fiquei parvo. Não contente, no dia seguinte, chegou o aviso do IMT a solicitar a minha ida ao posto dos Correios onde estava a carta de condução à minha espera. Aí, esperei uns bons 20 minutos – os Correios são um negócio, há que alocar os recursos de forma eficaz ou seja, o menos possível. Mas, em quatro escassos dias, recuperei a minha cidadania!

Já lá vão três semanas. O solícito operador do American Express não sabe justificar porque o cartão foi parar ao balcão do Millennium e não a minha casa. O Mastercard nunca chegou. Vou ao Santander em pessoa porque não sabem o que se passou. E o cartão de débito “Prestige” ainda vem a caminho, com 18 dias de atraso… E pronto, aqui estão exemplos do melhor funcionamento dos serviços públicos que a tão louvada prestação privada.

Bom, então estamos todos felizes, certo? Errado. É que, enquanto os serviços burocráticos de controlo do cidadão estão hoje ao nível dos melhores – veja-se a fulminante eficácia da Autoridade Tributária –, aquilo que são as prestações reais de serviço às pessoas só pioram. Por muito que as estatísticas do SNS melhorem, a imagem do serviço está pelas ruas da amargura. Na Educação, a saga dos professores prossegue, imparável, prejudicando alunos pelo país fora. E, apesar do esforço financeiro notório feito para enfrentar os fogos, à hora a que escrevo o fogo de Monchique segue descontrolado. Mais de 1.200 bombeiros, 422 veículos, 12 meios aéreos e 25 máquinas de arrasto mostram-se incapazes de controlar a situação. Multiplicam-se os briefings, as explicações… muda-se do comando regional para o nacional, mas, nada! Por momentos pergunto-me se Marta Soares está a falar do Sporting ou dos Bombeiros mas, não, mudei de noticiário e, consoante a estação, assim a competência ou incompetência, é escolher.

É que o mal do país não são os “meios”, os políticos, o ministro de turno, o esforço dos bombeiros, dos enfermeiros, dos professores, de um, de todos, de nenhum… O mal do país é a incompetência que grassa gorda porque o funcionário não pode ser demitido ou afastado, não pode ser chamado às suas responsabilidades porque o estatuto defende-o. O mesmo para as chefias, cujos nomes não fixamos e desfilam nas tevês, consoante a desgraça, sejam meninos em contentores ou velhinhos em casas de aldeia.

A incompetência gerada pela impossibilidade de responsabilizar, demitir e substituir quem não merece o salário pago e a responsabilidade confiada, eis a causa de tudo o que incendeia a nossa sociedade.