A forma como o Reino Unido está a lidar com o processo de saída da União Europeia poderá um dia ser estudada como um tratado sobre interpretação da vontade popular. A primeira-ministra Theresa May, partidária da permanência na União Europeia antes do referendo de 2016, assumiu o cargo e a função de negociar a saída. Embora o resultado do referendo não seja legalmente vinculativo, ficou desde cedo claro para todos que moralmente não há outro caminho senão sair, por respeito à vontade popular.

Brexit means Brexit, disse May assim que assumiu o posto do “defunto” Cameron e “entre os escombros”. Claro que o princípio é de louvar e, ao contrário de outros países da Europa continental onde se referenda até o resultado ser o esperado, o Reino Unido não deixou ambiguidades sobre a necessidade de respeitar a vontade da maioria. O problema está, contudo, em saber o que é a vontade popular.

O Brexit foi escolhido porque o eleitorado do Reino Unido aderiu a uma mensagem que tinha tanto de populista como de irrealista. A generalidade dos Brexiteers votou numa saída que não era possível. Uma saída que pressupunha ter sol na eira e chuva no nabal. No fundo, que a União Europeia permitisse (ainda mais) ao Reino Unido o que não admite a qualquer outro país, e que ficasse apenas com as liberdades que lhe interessam.

Agora que os melhores termos de saída possíveis são conhecidos, i.e. que o acordo que May alcançou é conhecido de todos, já é possível saber o que é o Brexit. No entanto, “o melhor acordo possível” não é o mesmo que “um bom acordo” e a grande maioria dos deputados, incluindo metade da bancada dos conservadores, recusa-se a votá-lo favoravelmente. Há, pois, quem os acuse de que votar contra o acordo é desrespeitar a vontade popular manifestada no referendo de 2016. Estes entendem, porém, que em 2016 se votou na saída, mas não nesta saída. E, por isso, votar contra este acordo de saída em nada frustra a vontade popular.

Recusando-se a pensar num segundo referendo, essencialmente por se entender que este também ofende a vontade popular antes expressa, o Reino Unido corre o sério risco de sair da União Europeia sem acordo, o que é um cenário potencialmente catastrófico em termos económicos, sociais e até na perspetiva da manutenção da paz na fronteira da República da Irlanda com a Irlanda do Norte. É por isso que a melhor solução para o Reino Unido é referendar o acordo de saída que May conseguiu alcançar. Só assim se saberia se a vontade popular é efetivamente sair da União.

Conhecidos os dois cenários de saída possíveis, os do acordo May e a saída sem acordo, os cidadãos deveriam ter novamente a palavra. Não para lhes perguntar se têm a certeza se querem sair, mas apenas para lhes dar a oportunidade de votar num tema muito sério de forma informada.

Esta seria até a solução mais democrática, dado que promoveria a votação numa altura em que, finalmente, existem elementos concretos, menos especulativos e dados ao populismo para o exercício do direito de voto. Esta seria a solução que melhor serviria Brexiteers e Remainers, mas sobretudo o próprio Reino Unido.

Serve os Brexiteers porque uma saída dentro de três meses nos atuais moldes, em que há dúvidas sobre se foi isto que o eleitorado pretendeu, torna mais provável que não passe muito tempo até que se volte a discutir a adesão. Para os Remainers porque o debate sobre os prós e os contras de ficar ou sair tenderá a ser mais objetivo e menos dado a populismos. Para o Reino Unido porque, para além de reforçar a democracia, qualquer que seja o resultado de um segundo referendo torna mais definitiva a solução que sair das urnas, permitindo ao país contruir o futuro a partir daí.