Odessa é a terceira maior cidade da Ucrânia, com cerca de um milhão de habitantes. A nossa cidade tem dezanove universidades, mais de trinta museus, seis teatros, bibliotecas, cafés, restaurantes, fábricas. Odessa é um centro industrial, comercial, logístico e turístico do sul da Ucrânia. Tem belas praias, um mar tranquilo, sol, crianças maravilhosas e muitos gatos. Por uma tradição semicriminosa, os odesitas (do ucraniano “odesit”) chamam-lhe Mamã Odessa.

Odessa é um dos símbolos de uma Ucrânia multinacional, ousada e livre, e destacou-se, desde o seu primeiro dia, pela sua diferença, independentemente do Estado a que pertencia: o Império Russo, a União Soviética ou a Ucrânia independente. Esta é uma cidade com o carácter rebelde dos cossacos ucranianos, a sabedoria antiga do povo judeu, o amor italiano por roupas e interiores belos, o charme francês, o amor grego pelo mar e pelas viagens, a paixão búlgara por tomates, pimentos e queijo, a prudência alemã, e um pouco do snobismo russo – é importante não identificar tudo o que é russo com a atual Federação Russa). Muitas outras nacionalidades vivem na nossa cidade e a composição étnica de Odessa mudou um pouco ao longo dos seus 200 anos de existência.

A mistura explosiva de diferentes nacionalidades – ucranianos (62%), russos (29%), búlgaros (1,3%), moldavos (0,8%) – contribuiu para a idiossincrasia dos cidadãos de Odessa desde as origens: sentido de humor, tolerância, capacidade de negociar (nem sempre legalmente) e visão comercial. Além disso, os odesitas podem ser reconhecidos pelo seu dialeto especial, o “dialeto de Odessa” da língua russa, formado devido ao multilinguismo original da cidade. A língua russa tornou-se a linguagem da comunicação interétnica desde o século XIX, e este idioma tornou-se agora uma piada cruel sobre nós, odesitas, bem como sobre muitos cidadãos russófonos da Ucrânia.

O que nos ensina a História

A história da cidade ajuda a entender por que se fala russo em Odessa.

O território da região do Mar Negro, onde está localizada a moderna Odessa, foi sempre muito favorável à existência humana. Desde o século V a.C., na moderna localização de Odessa, havia povoações antigas em Istryan e Isiak. Nos séculos XIII e XIV, quando os tártaros dominavam a região, havia um porto de navios genoveses, chamada Ginestra.  A povoação de Kachibey, antecessora da nossa cidade, foi mencionada pela primeira vez no século XV. Na viragem do século XV, a região noroeste do Mar Negro passou do domínio dos tártaros para o do Grão-Ducado da Lituânia.

No final do século XV, Kachibey foi capturada pelo Canato da Crimeia – um aliado do Império Otomano e a povoação renomeada Khadzhibey. O mapa “Ucrânia no século XVI” mostra que as fortificações do Grão-Ducado da Lituânia aqui localizadas foram destruídas pelos tártaros. A partir do século XVII, Khadzhibey tornou-se novamente uma povoação marítima bastante movimentada.

Em meados do século XVIII, os turcos construíram Yeni-Dunya, uma pequena fortaleza perto de Khadzhibey, numa margem íngreme coberta de pequenos arbustos, no centro da atual Odessa. No final desse século, muitos cossacos ucranianos estabeleceram-se na região de Khadzhibey, ao longo das margens dos estuários de Khadzhibeievsky e Kuyalnitsky.

Em 14 de setembro de 1789 (durante a guerra russo-turca), a fortaleza de Yeni-Dunya foi tomada por um destacamento do exército russo, comandado por José de Ribas (um nobre espanhol nascido em Nápoles), que integrava cossacos do Mar Negro. A 27 de maio de 1794, a imperatriz russa Catarina II aprovou o “Plano do Cais e da Cidade de Khadzhibey”, que previa a criação de uma nova cidade portuária no Mar Negro, e ordenou a José de Ribas que iniciasse imediatamente a construção da cidade que se chamaria, um dia, Odessa. Ainda hoje, a rua mais famosa de Odessa chama-se Deribasovskaya.

Historicamente, Odessa, como cidade europeia, foi fundada por ordem da imperatriz da Rússia, e fazia parte do Império Russo antes do seu colapso (como muitas terras ucranianas). Mas saliento que o fundador de Odessa, que apresentou, pensou e implementou o plano para o seu desenvolvimento, foi um nobre espanhol nascido em Itália.  Alguns dos primeiros colonizadores da cidade e seus arredores foram gregos, italianos, albaneses, cossacos ucranianos, e cidadãos do Império Russo que vieram para construir e desenvolver a cidade.

Em 1800, o imperador Paulo I, sucessor de Catarina II, cancelou o decreto imperial e cancelou também o financiamento da construção do porto de Odessa. A principal atividade da nossa cidade – o comércio – parou e Odessa ficou numa situação muito difícil, praticamente à beira da falência. Os comerciantes de Odessa, depois de saberem da decisão do imperador, enviaram-lhe uns carros cheios de laranjas, sob a escolta da Guarda Grega. Paulo I gostava muito destes frutos do Sul, especialmente porque os recebia no final do inverno. Como resultado, a 1 de março, o financiamento foi restaurado. Odessa recebeu 250 mil rublos em ouro para continuar a construção do porto e o desenvolvimento da cidade. Existe em Odessa um monumento às laranjas que salvaram a nossa cidade.

Cidade aberta ao comércio e à cultura

A cidade desenvolveu-se ativamente. Em 1815, Odessa era responsável por mais de metade do volume de negócios de carga entre todos os portos do Mar Negro e do Mar de Azov. A extinção de impostos aduaneiros, em 1819, teve um efeito muito favorável na vida e desenvolvimento da cidade. Russos, ucranianos, moldavos, franceses, alemães, polacos começaram a instalar-se na cidade. Em 1830-1850, o porto de Odessa tornou-se o maior porto do Mar Negro e, em volume de exportação de trigo, o maior de todo o Império Russo.

Em 1903, Odessa tornou-se o segundo porto do Império Russo, depois de São Petersburgo. O porto foi significativamente ampliado e tecnicamente remodelado. As relações com tantas cidades e culturas europeias e asiáticas, um grande número de ricos comerciantes e a tolerância necessária para conviver com outras nacionalidades levaram inevitavelmente ao facto de, em Odessa, a vida cultural, teatral, literária e musical ter sido amplamente financiada, apoiada e desenvolvida. O centro histórico de Odessa apresenta hoje exemplos únicos de arquitetura do século XIX e inícios do século XX, como a famosa Casa da Ópera de Odessa, um dos símbolos da cidade.

A Primeira Guerra Mundial, as revoluções de 1905 e 1917, a complexa entrada da Ucrânia na União Soviética, os tempos difíceis das repressões de Estaline, a Segunda Guerra Mundial – todos estes acontecimentos afetaram tanto o crescimento de Odessa como a composição da sua população. Odessa foi influenciada pela industrialização e tornou-se um centro industrial em expansão. Devido ao afluxo do grande número de trabalhadores, intensificado nos anos 50-70 do século XX, Odessa tornou-se uma cidade de milhões.

Os principais princípios da vida – virtudes – de Odessa mantiveram-se: tolerância, capacidade de negociação, sentido de humor e essa particularidade que é a “língua de Odessa”. Uma cidade livre mesmo nos tempos soviéticos, lar dos principais satiristas e comediantes, casa de atores, músicos ou escritores – o ar livre do mar e a tolerância permitem que a criatividade se desenvolva. Odessa está longe da capital e os habitantes ainda negoceiam um pouco com as autoridades.

Entre 7 de fevereiro de 1920 e 24 de agosto de 1991, Odessa fez parte da URSS, que tinha o russo como língua oficial. Odessa fala russo, com o seu sotaque próprio, aceitando ucranianos, russos, moldavos, arménios, georgianos e outros representantes das repúblicas da ex-União Soviética. Por exemplo, quando um terrível terramoto atingiu a Arménia, em 1988, Odessa aceitou refugiados das áreas afetadas, a maioria dos quais ainda vive na nossa cidade. O russo manteve-se a língua da comunicação internacional.

Como parte da Ucrânia independente, Odessa continua a ser um centro industrial, turístico, cultural e logístico da região do Mar Negro. As reformas para reforçar a importância da língua ucraniana estão a decorrer, embora alguns especialistas acreditem que são demasiado lentas e suaves. Em particular, a geração mais velha de Odessa ainda mal fala ucraniano hoje em dia. Os jovens estudam em ucraniano no sistema educativo, mas a comunicação diária é feita na língua mais confortável para cada um – ucraniano, russo, moldavo, búlgaro, ou qualquer outra.

Em Odessa, é possível ouvir uma conversa entre duas pessoas, uma a falar russo, a outra, ucraniano. Os odesitas não tinham pressa em mudar para o idioma ucraniano, até 2014. Mesmo fazendo parte da Ucrânia, os habitantes da livre Odessa falavam a língua mais conveniente para cada um – russo ou ucraniano.  Odessa era chamada “cidade russa”, mas os odesitas orgulhavam-se de estar abertos a diferentes línguas e culturas.

Odessa escolhe a democracia

O desencadear de uma guerra contra a Ucrânia pela Federação Russa, em 2014, e múltiplas provocações levadas a cabo pelas autoridades russas, terminou em tragédia a 2 de maio de 2014 – a morte de 48 pessoas após um confronto entre ativistas pró-russos e pró-ucranianos no centro de Odessa.

A maioria dos odesitas escolhe a liberdade, a democracia e a noção de que a língua numa comunidade multinacional deve ser um instrumento unificador e não um meio de manipulação. Depois de 2014, muitos cidadãos da Ucrânia, incluindo residentes de Odessa, mudaram para ucraniano na comunicação diária e profissional. Este processo tornou-se ainda mais ativo nas últimas semanas, no âmbito da atual guerra.

Residentes de Odessa, que permaneceram na nossa cidade, respondem ao jornal Odessa Life sobre se consideram Odessa uma “cidade russa”.

Evgeny Golubovsky, vice-presidente do World Club of Odessans: “Hoje tremo quando ouço que a nossa cidade é russa. Para mim, Odessa esteve sempre profundamente ligada à cultura russa. Mas hoje esta carta foi virada, tornada política. No Dia da Vitória da Ucrânia, também beberei champanhe!”

Vladimir Komarov, ator: “A minha fé nesta cidade, onde os marinheiros sempre foram fortes, em qualquer guerra, ajuda-me a suportar tudo isto. O humor ajuda, o nosso hábito de não desistir, um sorriso constante no rosto. Todos ajudam a nossa Odessa a ser livre. Odessa não é uma cidade russa, temos 120 nacionalidades diferentes e uma comum – a cidadania de Odessa.”

Maria Galina, escritora: “Quando vejo que alguém chama Odessa de “cidade russa”, irrito-me – embora diga isto em russo, o que é um paradoxo. Aconselho os odesitas a não entregarem a cidade. Odessa é geralmente uma cidade suave. Sugiro que sejamos mais duros. E no Dia da Vitória, poderei finalmente ir à praia e dar de comer ao gato.”

A língua não determina a nacionalidade, a língua não determina pertença ao Estado, a língua não deve determinar a política. A língua é uma ferramenta fundamental da cultura e, por outro lado, é apenas uma ferramenta que facilita a comunicação. Se a ferramenta estiver danificada, pode utilizar-se outra.

De todas as perdas que nós, ucranianos, odesitas, temos sofrido desde 2014, devido às ações militares agressivas da Federação Russa, a perda da língua russa será um mal menor. No final, encararemos isto com humor.