A proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2021 é a primeira proposta de LOE a ser apresentada à luz da Lei de Enquadramento Orçamental de 2015. Traz, por isso, menos mapas orçamentais em comparação com os orçamentos anteriores, o que significa que contém muito menos informação sobre quem executará despesa pública – e como, e em quanto.
Os novos mapas orçamentais da Administração Central surgem, portanto, incompletos este ano, omitindo informação antes disponível. O leitor não julgue que é um benévolo esforço de concisão legislativo. Porque não é. É, antes de mais, uma das consequências visíveis do adiamento de uma reforma financeira profunda e da entrada em vigor da Lei de Enquadramento Orçamental com todo o trabalho de fundo por fazer.
É também uma forma de reduzir a autonomia financeira legalmente reconhecida a certas entidades administrativas, porquanto estes serviços e entidades públicas deixam de conhecer o seu próprio limite de despesa e de o ver expressamente aprovado no Parlamento, como vinha sucedendo até aqui. Na prática, isto produzirá um controlo direto e imediato por parte dos gabinetes governamentais do Ministério das Finanças relativamente a todos os serviços do Estado. Que é, aparentemente, o modelo de execução orçamental de eleição do Governo.
O que nos leva à segunda novidade desta proposta de LOE/2021: o facto de ser apresentada à Assembleia sem que, neste mesmo mês de outubro, o Governo tenha ainda aprovado o Decreto-Lei de execução orçamental do Orçamento do Estado em curso. Tendo em conta o transtorno que a aprovação tardia tem implicado para as entidades administrativas, desde 2018, a apresentação da proposta de LOE/2021 nestes moldes deveria fazer soar o alarme para um escrutínio orçamental máximo dos poderes orçamentais do Governo. O facto de as regras de execução (ex. cativações de despesa) serem dadas a conhecer cada vez mais tarde pode vir – juntamente com a redução da especificação dos mapas – a afetar seriamente o próprio regime de autonomia financeira, pondo em causa atividade (necessária) de algumas entidades públicas.
Esta falta de informação dos mapas orçamentais deve ser, por isso, sujeita a escrutínio rigoroso e até avaliada no confronto com a Constituição, para averiguar se não estará em causa a violação do princípio da especificação orçamental, o qual impede a votação do Orçamento através de grandes aglomerados de receita e despesa (desobrigando o Governo a uma fundamentação cabal sobre o plano financeiro).
Esta violação não deve ser menosprezada pela Assembleia da República, tendo em conta que pode afetar uma das suas competências originárias – a de dar, em nome dos contribuintes, o consentimento para cobrança pública de receita e realização de despesa – e de desvalorizar o instrumento mais antigo de limitação do poder.