É facto assente que a crise de Covid-19 tem muitos efeitos socioeconómicos indesejáveis que já se fazem sentir e que exigem resolução imediata, sob pena da sociedade portuguesa entrar num crescendo de tensões económicas e sociais, dificilmente revertíveis. A este nível, para além da necessidade de adotar medidas diretas de ação social, são prioritárias intervenções em setores estratégicos como a saúde e a educação.

É também expectável que, dadas as verbas europeias disponibilizadas para a recuperação, seja finalmente possível desenhar e concretizar projetos de investimento público que consigam recolocar a economia portuguesa numa trajetória de crescimento sustentável e de convergência com os parceiros da União Europeia. O Plano Costa Silva terá servido para enquadrar estrategicamente esta espécie de reconstrução.

A exigência em torno do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) é assim particular, pretendendo-se que tenha capacidade para, por um lado, recuperar a estabilidade macroeconómica, enquanto corrige os diversos desequilíbrios que resultaram da atual crise, e, por outro, lançar as raízes de projetos sustentados e com impacto de longo prazo.

As propostas apresentadas neste documento apontam de facto para múltiplas medidas de política, diversas e dispersas, que procuram cobrir muitas pequenas áreas de consenso social, embora não necessariamente de consenso partidário, de que são exemplo a redução do valor mínimo das propinas, as creches gratuitas para as famílias do 2º escalão, ou o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores afetados pela crise de Covid-19.

Estas políticas beneficiam os mais desfavorecidos, mas são acanhadas face ao outro lado da distribuição de rendimentos e continuam a não considerar o desgaste sofrido pelas chamadas classes médias, de que os profissionais de saúde e os professores podem ser considerados exemplos maiores.

São apresentadas de forma relativamente envergonhada as medidas direcionadas para o investimento público, sendo a grande referência nesta matéria o plano ferroviário nacional, como uma evocação dos planos de fomento do século passado. O investimento pelo Estado, mesmo se apresentado como indispensável durante meses, parece continuar a ser um assunto tabu.

Não é fácil conciliar objetivos de curto prazo com objetivos de longo prazo, sobretudo em contexto de restrição orçamental, ainda que (supostamente) aligeirada. As opões recentes parecem assim orientadas para a resolução dos problemas conjunturais, como que ainda à espera de que haja uma luz verde inequívoca de Bruxelas, quiçá um aval, que legitime a obra pública.

Subsiste, no entanto, uma mensagem neste OE2021: para construir, a curto ou a longo prazo, o país precisa da intervenção do Estado. Pena que esta perspetiva esteja tão tímida.