Desde que foi anunciado o Orçamento do Estado (OE) para 2019, faz hoje uma semana, parte da discussão centrou-se no carácter eleitoralista do documento, e em quanto a sua formulação foi virada para as legislativas do próximo ano.

Vários factos surgem aquando da análise do OE. O primeiro prende-se com o alcance e impacto das medidas anunciadas, que pouco alteram o cenário fiscal que se vive actualmente; trocado por miúdos, não será este Orçamento a melhorar significativamente a vida de ninguém.

É também bastante clara a engenharia e flexibilidade orçamental e política do Governo e, sobretudo, de Mário Centeno, ao garantir a execução das metas impostas por Bruxelas, ao mesmo tempo que prossegue a política de devolução de rendimentos e satisfaz (algumas) exigências dos parceiros de esquerda.

Mas não caiamos na tentação de atribuir o mérito exclusivamente a uma parte da questão: basta consultar o programa macroeconómico do PS, de 2015, para constatar que um défice de 0,2% em 2019 estava bem longe dos previstos 1,4%. E aqui é que o cenário piora; dada a reduzida influência que temos sobre o rumo económico e financeiro do nosso próprio país (não só por pertencermos à UE, mas maioritariamente por sermos uma pequena economia bastante dependente do exterior), o cenário macro europeu poderia ter sido aproveitado para uma verdadeira mudança económica no país, uma que permitisse um crescimento verdadeiro e fruto de alterações estruturais que tornassem a economia mais célere e eficiente, em vez de aumentos artificiais impostos por decreto.

Senão vejamos: o mercado laboral em Portugal continua atrasado, com uma mentalidade de “presentismo” e as crónicas baixas taxas de produtividade, ao mesmo tempo que os trabalhadores públicos vivem à sombra de uma protecção que dificilmente se encontra noutro país europeu – é uma dicotomia bizarra, em que quem nada contribui para o bom funcionamento dos serviços públicos não pode ser “posto a andar”, ao mesmo tempo que funcionários eficientes e produtivos se sentem justificadamente pouco apreciados.

Prosseguindo. A dívida pública continua em valores estratosféricos, asfixiando a economia e colocando em causa o crescimento de médio-prazo, que, a existir, servirá maioritariamente para abater tal dívida; continuamos com impostos anormalmente elevados, especialmente quando confrontados com os serviços para os quais deveriam ser mobilizados, num país com listas de espera na Saúde que ultrapassam um ano, escolas construídas ou renovadas há menos de três anos onde chove nas salas, ou onde dos tribunais se pode esperar muita coisa (incluindo fugas à la film) menos um veredicto célere.

E é aqui que reside, para mim, o eleitoralismo, não só deste OE, mas também dos anteriores aprovados pela geringonça: é preferível subir miseravelmente salários já de si miseráveis, colocando para isso em causa serviços públicos fulcrais, com as consequências desastrosas que temos observado, do que estimular verdadeiramente a economia, torná-la mais eficiente e moderna, fomentando o mérito e o trabalho efectivo ao mesmo tempo que se combatem a corrupção e o networking de favores que move este país.

Os eleitores preferem ter mais 13 euros no final do mês do que hospitais a funcionar em termos, ou um subsídio de Natal (desconhecendo que, contabilisticamente, até lhes é mais vantajoso receber em duodécimos) do que pensar em reformas laborais sérias; caem na ilusão de reformas antecipadas, ignorando a trapalhada nas negociações que levam a que nem os parceiros de Governo se tenham apercebido das restrições ao critério de habilitação a esta medida; clamam por medidas que asfixiem o turismo e o mercado imobiliário sem pensarem que, além destas acentuarem o problema de acesso à habitação ao contraírem a oferta de casas, só beneficiam quem está já a rentabilizar as seus activos (muitos deles os “senhorios gananciosos” que, durante décadas, recebiam rendas que nem as compras de uma semana pagavam).

É triste ter de salientar que, num país pobre como o nosso (para a realidade europeia), é perigoso subir salários, por pouco que seja, pela falta de folga orçamental que existe para tal – porque tais aumentos trazem consigo as famosas cativações, e as cativações levam a dramas como os do hospital de São João ou à falta de meios nos incêndios do ano passado. É triste constatar que quase metade das famílias não recebe sequer o suficiente para pagar IRS, mas que, mesmo com um aumento do rendimento disponível, o crédito ao consumo dispara para financiar carros e férias.

E é ainda mais triste que, quando banqueiros-ladrões apanham pena suspensa ou um dos casos mais complexos e relevantes da democracia portuguesa muda de mãos a meio (e, ainda por cima, de forma altamente suspeita), o povo ande distraído com a conduta sexual do Cristiano e os devaneios da Maria Leal.

Por isso, o problema não é o eleitoralismo do OE, que é sempre uma ferramenta do Governo para comunicar com os eleitores, bem como dos seus parceiros de assinalarem o impacto efectivo de um voto neles depositado, e por isso será sempre parcialmente eleitoralista, e cada vez mais dada a proximidade às eleições. O problema é que, enquanto os eleitores andarem alheados, o eleitoralismo vai resultar. E o eleitor português, mais do que um aliado da democracia, é um alheado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.