O desfecho era previsível, com o Orçamento do Estado (OE) do próximo ano a ser viabilizado após o anúncio, por parte do PS, da abstenção em nome da responsabilidade política. Um OE leve em matérias fiscais com o Governo a optar apenas por alterações legislativas cirúrgicas, reservando as opções de política fiscal para diplomas avulsos.

O documento trouxe a confirmação de uma nova “doutrina orçamental”, inaugurada no ano passado, expurgado do que Montenegro classificou como “tudo e mais um par de botas”, que é como quem diz os “cavaleiros orçamentais”, ou seja, tudo o que não cabe na política orçamental.

O Executivo de Montenegro cedo tentou balizar o limite orçamental das propostas da oposição. Surgiram os apelos do ministro das Finanças “ao sentido da responsabilidade dos partidos” e foi reforçado o alerta de que “a margem para novas medidas é próxima de zero”. Ainda não tinha começado a maratona de votações do OE2026 e já o tema das pensões ameaçava causar mais fricções na especialidade.

Agitaram-se os fantasmas das coligações negativas contra a vontade do Executivo como o aumento extraordinário das reformas e ainda a isenção de IVA num cabaz de alimentos essenciais e eliminação de portagens, algumas das propostas em comum entre Chega e PS. Mas, ao segundo dia de votação, foram afastados os receios do Governo com o chumbo para que as pensões tivessem uma atualização estrutural adicional. Também caiu por terra a pretensão do Chega de voltar a isentar de IVA um conjunto de produtos alimentares, à semelhança da proposta socialista para que pudesse regressar o IVA zero a alguns bens alimentares, na proporção da reversão do desconto do ISP que ficou pelo caminho.

O Executivo da AD rapidamente pôde respirar de alívio. Afastaram-se os fantasmas orçamentais. Afinal, as medidas que podiam fazer temer o regresso do défice foram todas chumbadas. O mesmo aconteceu com três propostas de redução de IVA (painéis solares, produtos alimentares para animais de companhia e atos veterinários) que, caso fossem aprovadas, poderiam fazer o país regressar ao défice, avisou o Governo. Os contribuintes não vão pagar menos IVA na energia e nas telecomunicações, mas resta-lhes o consolo gastronómico da carne de caça, que vai ter um imposto mais baixo, na ementa proposta pelo PSD e o CDS.

O guião das votações teve ainda vários pratos fortes, com aprovações esperadas e chumbos mais ou menos antecipados. Pelo meio ainda houve algumas coligações negativas, mas sem mossa maior nas contas do OE. O Governo sai vencedor e a oposição derrotada nas pensões. Mas não lhe valeu dramatizar o fim das portagens como ameaça ao excedente ao ver aprovada no Parlamento a abolição de portagens no Alentejo, com a ajuda do Chega. Para o Executivo não se trata de um fetiche contabilístico e o PS, que propôs a medida, aponta a sua irrelevância orçamental, visto que custará pouco mais de 20 milhões. Ficou a acusação ao Chega de se transformar no portageiro do PS, o que levanta a cancela.

Temos agora o mesmo orçamento comedido, que entrou no Parlamento, mas sem melhor Estado. Minimalista, esvaziado de medidas polémicas e sem as botas dos ditos cavaleiros orçamentais, mas de risco máximo. Sem braços de ferro e riscos políticos. Para o Governo, o importante era que passasse e sem pesadas faturas. Passou. Paira agora o fantasma portageiro no Terreiro do Paço.