Sendo um documento eminentemente prático e operacional, tem, porém, um conteúdo teórico admirável e que importa salientar. Se não vejamos. John Hicks e Kenneth Arrow, laureados com o Nobel da Economia em 1972, salientaram a importância da teoria do equilíbrio económico geral na óptica da prossecução do bem-estar. Ora, assentando num modelo de rigor, e enxotando qualquer influência dogmática mais extrema – austeridade ou expansionismo – a proposta orçamental pressupõe a construção de um modelo harmonioso de mercado, onde as melhorias alcançadas serão paretianas: todos melhoram e ninguém fica prejudicado, ou seja, o IRS baixa e o IRC não é aumentado, ao mesmo tempo que se prevê um défice de 1% e a manutenção do nível prestacional do Estado Social. Na sequência dos ensinamentos de Milton Friedman (prémio Nobel em 1976), o plano A do Governo assenta primariamente no papel do consumo enquanto elemento crucial de estabilização económica. Quase todos o criticaram inicialmente, mas agora o silêncio é notório. Como James Tobin (prémio Nobel em 1981), Mario Centeno reconheceu a importância do sistema financeiro para o alcance da estabilidade estrutural. Robert Solow (prémio nobel em 1987) desenvolveu amplo trabalho teórico sobre a teoria do crescimento. Em contraste, o nosso Ministro das Finanças conseguiu algo muito mais difícil: a verificação prática desse crescimento (2,2% para o ano, o que nos parece algo conservador). Como John Nash (prémio Nobel em 1994), conseguiu resolver o problema do “dilema do prisioneiro” no qual o Partido Socialista se encontrava, na relação com os partidos que o apoiam no Parlamento; por outras palavras, e na sequência dos ensinamentos de Thomas Schelling (prémio Nobel em 2005) alcançou o equilíbrio governativo no seio de um jogo não cooperativo e de potencial conflito. De seguida, tal como Amartya Sen (prémio Nobel em 1998), considerou primordial que a devolução dos rendimentos fosse efectuada em favor dos mais desfavorecidos, ou seja, aos escalões mais baixos de IRS e aos pensionistas, outorgando-lhes a necessária liberdade acrescida para a realização das suas decisões. Simultaneamente, ao iniciar o processo de redução da dívida pública, concede igualmente essa liberdade às gerações futuras, retirando-lhes o peso que todos considerávamos inevitável em sede de encargos futuros. Finalmente, como Daniel Kahneman (prémio Nobel em 2002) e Richard Thaler (prémio Nobel em 2017), desenvolveu um trabalho relevante ao nível das impressões psicológicas, criando um clima de confiança nos decisores económicos, que baseando-se no rigor, afastou liminarmente o enquadramento anterior, de ordem depressiva, assente na também depressiva terminologia a que se reconduz a austeridade. Em termos mais operacionais, desenvolveu também novos mecanismos de desincentivo, tal como imposto sobre o açúcar, e agora, sobre o sal, na senda dos ditames da economia comportamental.

Porém, a dimensão mais relevante do trabalho de Mario Centeno nem sequer se firma na ordem económica, mas sim na ordem política. Portugal é hoje respeitado internacionalmente, tendo-se domado a fera germânica e torneado a desconfiança patológica das agências de rating, alcançado-se uma integral estabilidade governativa numa infraestrutura suportada por partidos de esquerda. De facto, quem suspeitaria que um orçamento de rigor, com um défice previsto de 1%, pudesse alguma vez ser apresentado nos termos em que Mario Centeno o fez na passada sexta-feira 13, por volta da meia-noite? A confiança deve ser, portanto, enorme, já que nem a superstição abalou a confiança do Ministro das Finanças. Basta que o restante governo siga as pisadas do Ministro das Finanças e se efectuem as reformas estruturais necessárias. Situações com as do SEF, do cadastro territorial, e tantas outras são inadmissíveis num país que merece muito mais. De facto, só uma verdadeira revolução ao nível burocrático poderá conceder a Centeno o merecido prémio (reduzindo o desequilíbrio de Harvard face a Chicago em sede de prémios Nobel da economia) e, quem sabe, tornar o país merecedor de um efectivo Nobel colectivo.