O alarido de confederações, como a CIP e a CCP, sobre o OE2019 reflecte, com lógica e naturalidade, a visão e interesses de classe e da classe das grandes empresas e do grande capital. Encaixa bem na desafeição de algumas pela solução política saída das eleições de 2015, manifestada então com operações não disfarçadas de pressão e chantagem, inclusive uma declarada “greve” ao investimento. Alarido amplificado por PSD e CDS e uma coorte imensa de comentadores, que sempre choram a pitanga pelas “empresas”.

De facto, a abordagem distorcida do OE2019 por essas áreas e sectores procede de uma manipulação, de uma ocultação e de um “esquecimento”.

Manipulação. Pela propositada confusão dos interesses do conjunto das grandes e algumas médias empresas, muitas de capital estrangeiro, com os problemas do universo absolutamente maioritário das micro, pequenas e médias empresas. Manipulação que procura fazer das questões que mais lhes interessam o alfa e o ómega da avaliação dos OE. Assim, colocam no centro das reclamações o acesso a mais recursos públicos e benefícios/isenções fiscais e a transferência de riscos empresariais e custos laborais (inclusive da formação profissional) para o Estado, quando não para os próprios trabalhadores.

Ocultação. Por fazerem de conta que não enxergam no OE2019 medidas de grande importância para as MPME. É paradigmático o silêncio absoluto dessas confederações sobre a importância para as pequenas empresas da expansão do mercado interno, determinado em grande medida pela devolução de rendimentos – salários, reformas e pensões, apoios sociais, alívios fiscais – aos  trabalhadores e reformados, prevista na PPL do OE2019 e já concretizada pelo que foi aprovado nos OE de 2016, 2017 e 2018. É notável que a CIP, num longo documento (40 páginas) de análise do OE, quase esqueça o papel da procura interna.

É igualmente significativo o não relevarem, ou mesmo o “esquecimento”, do fim do PEC, do interesse directo de 100 mil empresas (mesmo se o tentam capitalizar). Uma conquista da longa batalha das estruturas associativas de pequenos empresários (caso da CPPME) contra uma cobrança de IRC à margem dos preceitos constitucionais (determinação da matéria colectável a partir do rendimento real), assim eliminando-se o seu pagamento a taxas superiores à taxa normal! Ou ainda, o anúncio de um Regime Simplificado de IRC, sem colecta mínima. O que, em geral, só foi possível pela intervenção decisiva do PCP na presente legislatura, mas também pela insistente e continuada batalha por essas reclamações, na oposição às políticas de direita de sucessivos governos do PS, PSD e CDS.

Esquecimento. Porque os mesmos “críticos” do OE2019 não são capazes de identificar ou destacar medidas, falhas e insuficiências no OE que prejudicam, e muito, as MPME ou não fazem a sua necessária discriminação positiva. Por exemplo, a pouca importância dada aos custos da energia para as pequenas empresas (sabemos que as grandes obtêm preços muito favoráveis, como grandes consumidores/clientes, quer através de contratos bilaterais quer mesmo via “serviço de interruptibilidade”). Ou o difícil e oneroso acesso das MPME ao crédito bancário. Ou a pouca atenção e relevância dada ao investimento público, receosos de que o mesmo “desperdice” as (reduzidas) dotações de capital do OE (sempre poderiam ir parar aos bolsos do investimento privado). Ou a pouca atenção dada ao brutal aumento da taxa de Tributação Autónoma para as pequenas empresas no uso de veículos, comerciais ou não, de baixo preço, mas de imprescindível papel no desenvolvimento dos seus negócios.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.