A ideia de que o imposto sobre os rendimentos das empresas (IRC) é um instrumento de primordial importância na captação de investimento já foi abordada neste jornal num artigo de opinião, aquando de divergências na praça pública, entre ministros do último governo de António Costa, sob o título “Por favor acertem a manga do casaco” (3 Outubro 2022), a propósito da “baixa transversal” versus “descida selectiva” no IRC.
Quem tenha acompanhado, minimamente, o processo de negociação da implantação da AutoEuropa, em Portugal, para apenas lembrar um grande e profícuo investimento estrangeiro, não ficou ciente de que as taxas de IRC, de então, eram entrave da decisão final. Certamente, um assunto abordado, mas não falado publicamente, pois estes tipos de investimento são alvo de negociação aturada num contexto de condições existentes ou a criar.
O que determina a realização do investimento é a garantia de que um conjunto de medidas de médio/longo prazo vai ser implementado, de forma a sustentar a sua viabilidade, quando comparado com outras localizações potenciais além-fronteiras. Medidas avulsas nada acrescentam, não levam a lado nenhum.
O panorama português
1. Em 2022, o número de empresas activas, registadas no INE, ascendia a 1 453 728.
Como se escreveu no artigo de Outubro de 2022: “um elevado número de empresas, num intervalo de 45% a 50% do total, consoante os anos, não paga IRC. Esta ordem de grandeza é uma marca das empresas portuguesas, desde há várias décadas, o que dá que pensar. Então as empresas não nascem para dar lucro?! Sabemos que há razões várias para uma empresa, num ou noutro ano fiscal, não gerar lucro. Mas tão elevada e persistente percentagem, ao longo de tantos anos, merece uma análise explicativa”.
Ou seja, estamos perante uma situação anómala continuada, problema que não tem merecido grande entusiasmo dos estudiosos nem a atenção dos políticos. A situação recente não se alterou, havendo indicação de que o número de empresas que pagam IRC até tem vindo a contrair-se, bem como o volume de receitas.
2. A taxa estatutária de IRC é, em Portugal, 21%. Mas há uma série de prestações autónomas que agravam esta percentagem de forma significativa. Também há situações de desagravamento. Para empresas de menor dimensão, a taxa de IRC desce para 17% para os primeiros 50 mil euros de matéria tributável. Existem também outras isenções e benesses que mesmo para os grandes pagadores de impostos, uma vez aplicadas, reduzem substancialmente a taxa efectiva paga, por exemplo, na banca.
Mas há uma outra questão estrutural a merecer reflexão profunda. Apenas uma ínfima parte das empresas (0,3%) é responsável por 48% da colecta do imposto (INE). Uma concentração excessiva que reflecte, em nossa leitura, uma dimensão produtiva enviesada, um mau sintoma da saúde do tecido económico-produtivo português.
Polémicas sobre o IRC
3. No panorama descrito, a descida indiscriminada do IRC apenas beneficia quem já paga imposto, ou seja, cerca de metade das empresas nada lucram porque estão fora e entre as que lucram os maiores benefícios vão cair nos grandes grupos e grandes empresas que concentram em si o grosso do pagamento de impostos e, sem qualquer compromisso de aplicação, os montantes da redução de taxa vai parar a dividendos para mais cedo ou mais tarde serem distribuídos.
Debatemo-nos assim com duas posições face à descida dos impostos, com alegação de argumentos de parte a parte. Quem defende a redução transversal da taxa sobre os lucros das empresas afirma que esta medida favorece e fortifica o tecido económico, nomeadamente atraindo investimento, sobretudo, o investimento estrangeiro. Estes argumentos simplistas encobrem uma realidade pois, quando muito, permitem espalhar dividendos sobre metade do tecido económico do País e nada se prova neste modelo uma relação causa-efeito sobre o investimento.
Se se pretende atrair investimento para Portugal, há que resolver, como se dizia no artigo mencionado, um pacote de condições, a que o Dr. Miguel Cadilhe, enquanto Presidente da API, chamou de “custos de contexto”. Com esta designação pretendeu chamar a atenção para múltiplos entraves que dificultam o regular funcionamento da economia, abarcando aspectos como a “rapidez e a clareza da justiça onde se encaixa também uma fiscalidade consistente e compreensível, e instituições velozes e transparentes com um atendimento eficaz e consequente”, entre muitos outros. Erradicar estes entraves, sem ser apenas no papel, isso sim cria condições de atracção do investimento.
Por outro lado, poderá equacionar-se uma descida da taxa de IRC com finalidades muito específicas que contribuam para o aumento da competitividade empresarial como a aplicação em investimentos ligados à inovação, investigação, requalificação humana, novas empresas, start-up, e porque não em áreas de promoção da cultura! Nesta linha de pensamento até se admite a redução para taxas muito baixas, consoante a qualidade do projecto. E, por este caminho, até se vai ao encontro de algumas das medidas preconizadas no relatório de Mario Draghi, recentemente apresentado à Comissão Europeia para uma Europa competitiva e que muita tinta tem feito correr.
Neste contexto, a descida selectiva do IRC faz muito sentido quando bem alicerçada em parâmetros claros e sem subterfúgios nas entrelinhas. Esta é a outra posição na qual me revejo. Não me choca que para aplicações em investimentos de ruptura se chegue a taxa zero.
Como se dizia no artigo de 2022, “esta forma de encarar a fiscalidade sobre o IRC, ao valorar pela positiva o perfil do investidor, reconhece a sua iniciativa e criatividade como benéfica ao desenvolvimento económico. Neste contexto, torna-se uma medida fiscal com fins próprios e meritórios e assume-se como recompensa à iniciativa criativa”.
IRC estável e filosofia própria, um trunfo competitivo
4. Mais do que as taxas, o que conta mesmo é a estabilidade fiscal. Isto não significa que não se proceda a ajustamentos, nomeadamente no sentido da sua comparabilidade e compatibilidade com a Europa. Na realidade, algumas prestações autónomas merecem ser repensadas. Aliás, sendo 21% uma taxa média na UE fica penalizada com as prestações autónomas.
Não faz sentido, porém, descer o IRC sem objectivos claros, podendo até mais esta medida vir a repercutir-se no desequilíbrio das contas públicas, pois pode contribuir para a redução das receitas e periclitar o equilíbrio conseguido, nestes últimos anos, uma aposta que urge defender pelos efeitos altamente positivos que tem tido sobre a economia a todos os níveis e de modo evidente nas relações com o exterior.
Manter o equilíbrio das contas públicas é uma garantia para o bom posicionamento da economia portuguesa no contexto europeu e mundial. Assim, o OE2025 não deve enviesar estas regras. Aplicar receitas sem fins determinados é uma política inapropriada, pois em nada contribui para a progressão da economia, antes pelo contrário, introduz maiores desigualdades económicas no País. Estamos perante filosofias de IRC divergentes, antagónicas entre si, servindo finalidades e interesses diferentes. O problema está na escolha.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.