Todos os governos querem mais inovação, mais investidores, mais empresas, mais emprego. Mas será que compreendem verdadeiramente a razão pela qual os bancos não emprestam dinheiro e os investidores não investem em muitas startups? Penso que não.
Recomendo a leitura do estudo “Why Business Angels do Not Invest”, da EBAN. As conclusões são simples. Os investidores não investem em startups, não porque estas não têm potencial (apenas 7% dos casos) mas sim porque apresentam riscos ao nível de mercado, legal, financeiro, operacional e das suas equipas, o que leva à insolvência da maioria das startups.
Mas em Portugal temos poupança ou pessoas com capacidade para investir em empresas inovadoras? E temos empreendedores com talento? A resposta é muito simples: temos dinheiro e talento em Portugal.
Muito do dinheiro que está disponível no ecossistema empreendedor provém de programas de coinvestimento geridos (e bem) pela PME Investimentos (ou IFD). Em 2009, o atual ministro Nelson de Souza, na Presidência do Compete, e Luís Costa, presidente do IAPMEI, foram contra a máquina burocrática em Portugal e muitos velhos do Restelo e tiveram a ousadia de lançar o programa de coinvestimento com business angels, que deu origem a dezenas de empresas de sucesso e a muitas sociedades de capital de risco.
Mas se temos talento e dinheiro, o que falta então para termos um ecossistema vibrante em Portugal?
Na minha opinião, precisamos de um Estado ágil que se foque na regulação dos mercados e utilize o dinheiro que aí vem na otimização e redução de risco no ecossistema empreendedor nacional. Um Estado que se foque no COMO utilizar o dinheiro eficazmente e não tanto em QUEM.
Reimaginando Portugal mais empreendedor e mais inovador, teremos:
Centros de investigação inseridos de facto no ecossistema empreendedor
Muitos dos centros de investigação, universidades, etc., recebem verbas avultadas de fundos públicos. Porque é que estas entidades não apoiam, através de pareceres de viabilidade tecnológica, as muitas inovações que as startups pretendem trazer para o mercado? Esta medida ajudaria muitas empresas a obter financiamento por si próprias e ajudaria o Estado a escolher melhor as empresas que terão acesso aos fundos.
Regulação da transferência de propriedade intelectual
Como referi, a maior parte dos centros de conhecimento recebem grandes verbas do Estado para investigação. Quando um grupo de investigadores quer criar um spin-off, as entidades complicam muito a transferência dessa propriedade intelectual, obrigando os empreendedores a ir buscar dinheiro ao mercado para pagar à universidade (que por sua vez tinha recebido verbas do Estado). Tornar simples e justa essa transferência de propriedade intelectual será crucial.
Mapeamento dos ativos do Estado que podem diminuir o risco dos empreendedores
O Estado central ou local tem muitos ativos que não são utilizados a 100% e que podem estar ao serviço dos empreendedores (e estes pagam pelo serviço). Exemplos não faltam como laboratórios, propriedade intelectual, estufas, terrenos agrícolas, máquinas pesadas, cozinhas industriais, etc.
Seria bom que nos próximos fundos houvesse verbas para este mapeamento essencial e para uma regulação efetiva da utilização destes ativos. A parte interessante é que esta medida traz receitas para o Estado e reduz o risco das startups.
Tolerância ao fracasso
Conheço vários empreendedores que criaram as suas startups e receberam fundos do Portugal 2020. A meio do projeto uma grande empresa mundial lançou um projeto concorrente e deixou a startup sem capacidade de competir. Se o empreendedor não tiver centenas de milhar de euros para devolver ao Estado, resta-lhe abrir falência pessoal. É assim que se incentiva a inovação? Regras que evitem que o empreendedor tenha de apresentar insolvência pessoal, no caso de o projeto falhar sem haver fraude, é a base de um país inovador.
Banco de Fomento ágil
Pior do que o tempo que se perdeu até aqui é o futuro Banco Português de Fomento BPF) vir a ter na sua gestão pessoas burocratas sem sensibilidade para os problemas reais das empresas, nomeadamente das empresas inovadoras. É preciso um BPF com gestão moderna e credível.
Coinvestimento incrementado
Programas como o 200M e fundos de coinvestimento com business angels/capital de risco mostram que o Estado não tem de investir sozinho e que existem boas alternativas ao tradicional “fundo perdido”. A atração de capital estrangeiro terá de ser uma prioridade não só pelo valor em si, mas pelo acesso a cadeias de valor que trazem consigo.
Diáspora portuguesa ativa
Este é um tema recorrente nas discussões públicas, mas pouco ou nada se fez relativamente ao mesmo. Se conseguimos criar o fundo 200M, não conseguiremos também criar um fundo de coinvestimento com a diáspora espalhada pelo mundo que tem acesso a canais de distribuição?
Avaliação de impacto rigorosa
A maioria dos indicadores de aplicação de fundos da União Europeia estão relacionados com “inputs” e não com “outputs”, ou seja, com a rapidez de investimento e as expectativas de retorno financeiro e de emprego estimadas pelos promotores. Deveria haver uma monitorização independente do sistema que meça efetivamente os empregos criados e o valor acrescentado que cada projeto/entidade teve. Com uma correta monitorização conseguir-se-á identificar as melhores políticas e premiar os atores que melhor uso fazem dos fundos.
Deixo aqui apenas oito de várias ideias que podem ajudar a mudar o ecossistema empreendedor português e que, na sua maioria, não representam custos acrescidos para o erário público. Seria ótimo que o debate sobre os novos fundos se centrasse no como serão utilizados eficazmente e não quem irão beneficiar.