Parece haver uma certeza no futuro imediato no que se refere à evolução económica e à geopolítica globais, e ela não é mais do que a probabilidade da incerteza!
Com efeito, não se vislumbra o fim da guerra na Ucrânia e, de certa forma, consequentemente, nem o ponto firme de viragem do ritmo da inflação, bem como a fluidez necessária nas cadeias de abastecimento e de distribuição que também a alimentam.
No entanto, a informação quantitativa e qualitativa que vem sendo fornecida aponta que, por exemplo, no seio da União Europeia (UE), não vamos assistir ao desencadear de recessões económicas em importantes países, pese embora as políticas restritivas de ordem monetária que o Banco Central Europeu encetou, aliás, com algum atraso, no âmbito do combate à subida dos preços.
Em particular no caso da economia portuguesa, podemos hoje constatar um crescimento económico mais favorável que o previsto, bons níveis de emprego e das exportações, tudo isto enquadrado numa política orçamental de contas certas e da consequente diminuição do peso da dívida pública.
Logicamente que estes indicadores positivos, acrescidos de uma boa execução do “decisivo” PRR, poderão servir de contraponto a uma certa inércia desta maioria absoluta que nos governa, agravada politicamente que foi pela série quase delirante de casos que este Governo protagonizou nos últimos tempos.
Em consequência, também podem indiciar – e aqui reside alguma dúvida – a base para um virar de página no sentido de uma governação mais reformista e menos acomodada que mitigue problemas económicos, como de momento a perda de poder de compra, que consiga obter mais consensos no que toca às múltiplas reivindicações sociais de descontentamento e, mais estruturalmente, consolide os direitos sociais, designadamente nas áreas-chave da saúde, educação e habitação, de uma forma minimamente consensual (o que parece não ser fácil!).
Mas é impossível neste momento deixar de ter em conta as vulnerabilidades que, estruturalmente, a economia portuguesa demonstra, quer sejam ligadas ao tecido empresarial – subdimensionado com a consequente falta de escala, de níveis adequados de produtividade e de apetência pelo risco –, quer sejam as implícitas nos chamados custos de contexto que o Governo deve ajudar a dissipar, com incidência nos domínios da fiscalidade, do custo da energia, da burocracia, de alguma rigidez na legislação laboral e, porque não, na aparência de uma certa “distância” face às grandes empresas e lucros significativos, como se estes também não fossem, de alguma forma, tributados.
Não pode o país criar entraves à atracção do bom e reprodutivo investimento nacional e estrangeiro, à inovação tecnológica, à transição digital, ao fomento das energias renováveis em articulação com um bem calibrado investimento público que tem faltado… Mas sendo tudo isto uma realidade já conhecida, existem razões ponderosas para pensarmos “mais longe”, ou seja, mesmo para além do PRR em curso e do arranque dos fundos do Portugal 2030.
E a este propósito refiro-me à ameaça relevante que constitui o poderoso pacote de medidas que os Estados Unidos acabam de decretar, visando a firme atracção de investimentos tecnologicamente relevantes, ao qual a Europa terá de responder sob pena de assistir à deslocalização de alguns importantes investimentos industriais nela sediados ou a sediar. E é neste sentido que já começou a ser debatido no seio da UE a necessidade urgente da constituição de um significativo Fundo para a Reindustrialização de que a economia portuguesa poderá beneficiar.
Mas, para isso, Portugal terá de fazer o seu trabalho de casa, acentuando a aposta na energia barata e renovável como um pilar da revitalização industrial do país, não dispensando a clara identificação das estratégias sectoriais e geográficas mais adequadas à própria economia e ao seu tecido empresarial em evolução.
Faz-me lembrar há 30 anos quando, impulsionado pelo então ministro da Indústria, Mira Amaral, o Prof. Michael Porter – em íntima ligação com representantes políticos, empresariais e de centros de saber – identificou uma “malha” de clusters, onde urgia apostar em termos de modernização e entrosamento empresarial (sendo que muito ocorreu em sectores tradicionais da indústria). Agora seria bem-vindo um trabalho deste género, devidamente ajustado.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.