Segundo Yanis Varoufakis, que deu uma conferência no congresso da European Sociological Association (ESA) em Atenas, a situação em Portugal não é económica e financeiramente sustentável, acrescentando que a prazo o país voltará a cair na estagnação.
Em resposta a uma pergunta sobre as diferenças fundamentais entre a Grécia e Portugal, o ex-ministro das Finanças referiu, entre outros, dois fatores principais que contribuíram para que a economia portuguesa não atingisse a gravidade vivida pela população grega: 1) O programa de austeridade foi muito mais devastador na Grécia; 2) Portugal recebeu uma ajuda fundamental do BCE por via do quantative easing, algo que não aconteceu com os gregos. Por outro lado, relativamente à atual situação política, Varoufakis pouco falou, desvalorizando até os resultados económicos alcançados nestes últimos dois anos pelo governo de esquerda em Portugal. No final da conferência, ainda tive oportunidade de conversar uns minutos com ele e de lhe dizer que, apesar de concordar com o essencial do seu diagnóstico, era importante valorizar um pouco mais a atual configuração governativa e a ação política levada a cabo pelos partidos de esquerda em Portugal.
Na verdade, o grande argumento de Varoufakis foi o de afirmar que a Grécia não é Portugal. Onde é que já ouvimos isto? Ainda nos lembramos, ao longo dos anos de austeridade, da repetição desta ideia que foi recorrentemente apregoada pelo governo e pelo presidente de então. Para estes, a situação grega era um caso à parte, uma excecionalidade resultante em grande medida da incompetência dos seus governantes e dos feitiços ideológicos que norteavam e cegavam a sua ação política.
Curiosamente, embora por razões opostas, a atual resposta do economista grego insiste nesta mesma tecla: a de que a Grécia foi uma excecionalidade no contexto da Zona Euro e da UE. Ou seja, se no caso da interpretação dos governos e partidos de direita a Grécia foi e é uma particularidade resultante fundamentalmente da responsabilidade dos seus líderes políticos, já no entender de Varoufakis essa excecionalidade resulta do facto da Grécia ter sido a grande e a principal vítima da política de austeridade. Apesar dos motivos opostos, ambas as versões convergem para a ideia de que a Grécia é a Grécia e que, por isso, esta se distingue dos restantes países que foram também alvo dos denominados ‘programas de ajustamento’. Não deixa de ser inquietante esta similitude em isolar o caso grego, como se a Grécia e Portugal (tal como a Espanha, a Irlanda e outros países) não fossem alvo de macroprocessos semelhantes, apesar das distintas e notórias gradações, com consequências muito preocupantes para a sustentabilidades das suas sociedades e economias.
Atualmente o ex-ministro das Finanças grego defende que a alternativa política não deve passar pelo reforço do nacionalismo e pela saída da UE, mas sim pelo combate no seio da Europa por uma política que aprofunde a democracia e a participação dos povos nos destinos e decisões que orientam a atual UE. Isso significa uma grande reforma das instituições e uma alteração clara do atual paradigma político dominante. De facto, trata-se de um programa dotado para remover os poderosos tentáculos que o neoliberalismo foi incrustando no interior das instituições europeias. A este respeito Varoufakis é o principal dinamizador de um movimento transnacional (pan-europeu) designado DIEM25, cujo objetivo fundamental é a democratização da UE. Trata-se de uma ambição notável e que merece, no essencial, o meu apoio.
Todavia, tendo em conta a referida conferência decorrida em Atenas e a forma como Varoufakis desvalorizou a experiência governativa portuguesa, tanto no que diz respeito à sua configuração partidária, como nos resultados até agora alcançados, parece-me que o seu objetivo de democratização da UE, apesar de louvável, corre um sério risco de se perder em meras boas intenções.
Sem dúvida que é importante apontar para a escala transnacional como um espaço de pressão fundamental para o aprofundamento da democracia e da consolidação de uma cidadania europeia (ainda muito longe de ser uma realidade vivida pela maior parte das populações). No entanto, esse enfoque na escala transnacional não pode ser apresentado como uma alternativa (ou um domínio superior) em relação à escala nacional. É um erro político descurar a margem política que ainda é possível desenvolver e empreender ao nível dos governos e parlamentos de cada estado-nação. Por seu turno, continua a ser no âmbito nacional que a maior parte das pessoas reconhece, vive e constrói a sua esfera democrática.
Do meu ponto de vista, estas diferentes escalas de participação e mobilização política não devem ser vistas como exclusivas entre si. Pelo contrário, é importante potenciar a relação e a tensão entre espaços nacionais e transnacionais de maneira a desdobrar e a fortalecer diferentes arenas de reivindicação e de pressão política. A este respeito, teria feito sentido ouvir no discurso de Varoufakis a valorização da experiência governativa portuguesa, discutindo e problematizando até que ponto esta pode ser um caminho interessante para outros países europeus.