Tanta agitação governamental deixa-me confusa. Tantos são os problemas para resolver na nossa economia e na nossa sociedade que me fazem lamentar profundamente esta turbulência e a tão forte prevalência dos seus ecos, junto da opinião pública portuguesa. Mudem-se os ministros, os secretários de estado e os assessores, reforce-se ou refunde-se o Governo como se entender, mas foquemo-nos no essencial.

Objetivamente, este Governo tem condições para tratar das mudanças estruturais de que o país necessita e pode fazê-lo, porque tem uma maioria absoluta. Maioria absoluta, legitimada nas urnas, costuma ser sinónimo de estabilidade e de desobstrução à condução do país de acordo com a vontade expressa pela população.  Naturalmente que o bom senso recomenda fazê-lo em cooperação construtiva com as demais forças parlamentares, em particular nos temas que são estruturantes para a economia portuguesa. Afinal, não queremos todos o mesmo? Não queremos todos uma sociedade mais próspera e justa na repartição dos benefícios do crescimento económico? Uma sociedade desenvolvida em todas as suas dimensões?

Falemos então do essencial e, hoje, elejo mais uma vez o PRR. Recordo os 15,7 mil milhões de euros a fundo perdido e o reforço destes fundos que decorrem da necessidade de acorrer às consequências económicas pós-Covid e da guerra na Ucrânia, que tem como um dos aspetos mais importantes, a inflação instalada. Trata-se de um valor decisivo de que o país dispõe para afetar à economia, em investimentos na saúde, na educação, no setor social, na habitação acessível, na digitalização, na transição climática e em todas as restantes agendas mobilizadoras, e que se apresenta como crucial para as transformações necessárias na economia portuguesa.

Há, contudo, prazos para a sua execução e, apesar de os mesmos estarem dilatados fruto da situação económica internacional, vejo uma preocupação não suficientemente consequente com a evolução da sua aplicação, não obstante as preocupações públicas manifestadas pelo Presidente da República, pelo Governador do Banco de Portugal, ou pelo Conselho das Finanças Públicas.

A consulta de alguns dados do passado, permite confirmar o nosso histórico de grandes dificuldades, no que diz respeito à execução atempada dos fundos comunitários. A questão coloca-se também em relação ao PRR. Portugal viu aprovado, recentemente, a segunda tranche de fundos no valor de 1,7 mil milhões de euros, que se prevê esteja disponível no início do ano de 2023. Esta segunda tranche significa que, com o montante validado pela Comissão Europeia na primeira tranche, o valor global já validado ascenda a 3,4 mil milhões, isto é, cerca de 21% do total de fundos disponíveis.

Nas solicitações de fundos à Comissão Europeia não divergimos dos outros países. Mas, estes valores correspondem a fundos libertados e não a fundos executados. Na realidade, apenas cerca de 7% dos fundos foram já executados, o que não é um valor muito entusiástico, apesar do prazo de execução do PRR ter sido prorrogado até 2026. Aduzem-se os argumentos de que por efeito da inflação o custo dos projetos subiu de forma significativa e que isso tem sido uma das razões para a baixa taxa de execução. Em todo o caso, não nos devemos reter apenas nos argumentos, revejam-se as condições financeiras dos projetos, adaptemo-nos à realidade dinâmica e saibamos ultrapassar estes constrangimentos.

Estamos muito aquém do que devíamos na execução dos fundos do PRR, e uma preocupação legítima é a de se alguma vez os conseguiremos utilizar na totalidade. Neste contexto, assume-se de grande relevância o país ter uma task-force ativa na gestão dos fundos comunitários, mais interventiva, com maior eficácia de monitorização e capaz de um maior acompanhamento, que permita identificar onde se encontram as fragilidades processuais e outras e ser capaz de agir e decidir no seio de uma realidade extremamente volátil.

Esperemos que com o virar do ano o nosso foco seja o essencial e não as polémicas governamentais. Essas dispensamo-las de forma veemente. Precisamos urgentemente de usufruir dos impactos económicos positivos e decisivos do Plano de Recuperação e Resiliência e para isso há que eleger como prioridade o acelerar da sua execução.