Em meados do século passado, John Kenneth Galbraith, porventura um dos mais influentes pensadores económicos dos nossos tempos, escrevia o livro “The Affluent Society”. Neste livro, Galbraith desafiava as verdades absolutas do pensamento económico como, por exemplo, a centralidade da produção e a sua relevância para a segurança e o bem-estar económicos, mas também alertava para a complexidade de fenómenos como a pobreza ou a interdependência entre procura e oferta.

Um dos argumentos do autor apontava para a criação de uma nova classe, mais instruída, valorizadora do seu tempo e capaz de olhar para o trabalho como fonte de realização e não apenas de geração de rendimento. Esta nova geração estaria, mais do que nunca, exposta a um nível de vida sem precedentes, libertando-a para um compromisso de causas (sociais, ambientais, culturais, etc.) e para exigências sem precedentes.

Numa altura em que falamos sobre crise económica e financeira como resultado da crise sanitária, é importante voltarmos a Galbraith. É a altura certa para olhar para as nossas prioridades e perceber que azimute utilizar. Não é possível manter o foco excessivo na produção à custa de resultados sociais, sanitários, educacionais e ambientais negativos, porque estas consequências são agora o centro das preocupações de uma nova geração de consumidores, políticos e empreendedores.

A Covid-19 relembra-nos a importância desta discussão, numa altura em que assistimos a uma incapacidade do nosso sistema para lidar com as consequências de fenómenos atípicos e iníquos.

Esta mudança tem de acontecer ao nível das políticas públicas, como há muito é reclamado, mas também ao nível do comportamento organizacional. Esta crise trouxe grandes desafios de curto prazo para a sua maioria, mas trará consigo desafios de natureza diferente a médio prazo. Há mudanças que vieram para ficar e que nos afetam a todos e às organizações em particular. Por esta razão, há grandes implicações de médio prazo em contexto organizacional como resultado das mudanças que serão aceleradas na estrutura económica.

Estas implicações apontam para três tendências de ajustamento no comportamento das organizações no futuro:

1. Cultura de colaboração com proximidade virtual – a covid-19 relembrou-nos o valor das relações. Apesar de já conhecermos a importância da tecnologia no desenvolvimento da sociedade e nas tendências do futuro do trabalho, passamos a ter mais presente que o altruísmo e o sentido de pertença a uma comunidade, também são uma força motriz da vida em sociedade.

Adicionalmente, é hoje possível antecipar que o tele trabalho veio para ficar. É viável, trabalhando a partir de casa, continuar produtivo sem estar menos ligados. Estes efeitos serão potenciados pela tecnologia. Isto significa que as organizações do futuro terão de conseguir conciliar trabalho remoto e colaborativo com maior normalidade (inter e intra organizões);

2. Estruturas organizacionais ‘plug-in’ – se o trabalho passou a ser (mais) remoto, se é fonte de realização e bem-estar e se existe uma nova classe mais instruída e motivada pela procura de propósito, isto também significa que o talento se tornará mais móvel. O talento estará motivado por causas que poderão ser maiores do que organizações. Assim, este talento estará disponível para servir múltiplas organizações, contribuindo para a resoluções de vários problemas complexos e multidimensionais. O pós-covid-19 expor-nos-á a esta multiplicidade de contribuições e formatos, fazendo das organizações plataformas Plug-in de talento;

3. Liderança para o impacto – todas estas mudanças terão, naturalmente, impacto na forma como as lideranças olham, em última instância, para si e para o mundo. As lideranças das organizações do futuro terão de mudar a forma como gerem o talento e identificam oportunidades de inovação (contribuindo com impacto na sociedade e sendo condenadas se destruírem valor).

A liderança tornar-se-á a jornada de uma vida e passará a ser um processo de facilitação em estruturas Plug-in, garantindo a convergência do talento para um propósito com elevado sentido ético e moral. Isto acontecerá num ambiente turbulento e confuso que exigirá momentos de ajustamento. A covid-19 também nos ensinou a ser persistentes e resilientes, preparando-nos para estas mudanças.

O IES-Social Business School nasceu com a missão de capacitar e inspirar empreendedores, gestores, líderes e organizações para a resolução de problemas importantes e negligenciados da sociedade. Também nós estamos a sofrer profundas transformações durante todo este processo (como, por exemplo, a digitalização das nossas experiências de aprendizagem), mas também sentimos que este é o momento em que somos mais importantes do que nunca.

Sabemos que as mudanças que procuramos antecipar terão um impacto grande na vida das organizações e queremos estar preparados para as apoiar neste momento de transição e na superação dos eventuais desafios que dele resultam. O statu quo, já não é o statu quo. Virá um novo normal que não nos deixará iguais, mas que terá muitos desafios como legado. Mas onde há veneno, também há remédio.