Com muitos golpes de teatro e política à mistura, o tema da sucessão de Carlos Costa na liderança do Banco de Portugal (BdP) permanece aceso na praça pública. Falta menos de um mês para uma tomada de decisão que todos concordam que não pode nem deve sofrer adiamentos ou atrasos de qualquer espécie. O momento atual é determinante para a estabilidade do sistema financeiro e o que se exige do regulador é uma liderança forte, independente, legítima, isenta e sem vestígios de incompatibilidade.

Mas eis que, na passada semana, por iniciativa do PAN, PEV, CDS e Iniciativa Liberal, o Parlamento aprovou na generalidade uma lei sobre novas regras para a nomeação do governador do Banco de Portugal, que baixou na especialidade à Comissão de Orçamento e Finanças. Curiosamente e para espanto de todos, no momento da votação – ou talvez uns minutos antes – o ministro das Finanças Mário Centeno apresentava ao Governo o seu pedido de demissão do cargo com efeitos imediatos e por motivos pessoais, mantendo apenas a presidência do Eurogrupo até 13 de julho.

Naturalmente que a todos assiste a liberdade de aceitar entrar para um Governo ou pedir para dele sair, mas Mário Centeno foi mais longe e logo avisou que não assumiria o cargo de deputado para o qual foi eleito em outubro passado, deixando entender que o seu futuro poderia passar por ser indicado para governador do BdP, ignorando que o Parlamento tinha aprovado uma lei na generalidade que punha em causa a sua nomeação.

Já em 2015, na véspera do Governo nomear (ou renomear) o governador do BdP, os socialistas apresentaram uma iniciativa legislativa (39/2015) para alterar a lei orgânica do BdP, com relevância nos aspetos formais da nomeação do governador, e que acabou por ser aprovada a 10 de abril desse ano apenas com os seus votos e na globalidade 15 dias após sem qualquer audição externa, nem ao BCE. E se o fez em 2015, porque quererá agora andar a empatar este processo que ainda não foi iniciado pelo Governo? É que os dois únicos casos relevantes que ocorreram agora foram mesmo e só a aprovação da lei do PAN na generalidade e a demissão do ministro das Finanças no mesmíssimo dia, 9 de junho de 2020!

E poderá mesmo ter começado aqui um golpe de teatro absolutamente lamentável, que deveria envergonhar todos os intervenientes, e que poderá tornar-se um dos maiores escândalos da República: um ministro que se demite para tentar contornar a lei aprovada na generalidade e um partido como o PS a tentar atrasar o avanço da lei na especialidade com expedientes pouco dignificantes, para ver se ainda consegue propor o até há dias ministro das Finanças para o lugar de governador.

Não está em causa a pessoa, as suas competências e o seu percurso profissional, mas sim o modo que o PS e o Ministério das Finanças escolheram para fazer uma verdadeira OPA ao Banco de Portugal. Tudo à revelia do Parlamento e do Plenário da Assembleia da República. Sem qualquer constrangimento ou pudor.

Abandonar o Governo num momento particularmente delicado para todos, em que a crise aperta e o superavit se transforma em défice orçamental, onde se discute um orçamento suplementar de muitos milhões de euros adicionais para combater o vírus invisível e devastador, deixa o país num enorme desconforto e instabilidade.

Para não falar também das dúvidas que lança sobre a legitimidade de se afirmar num cargo independente e regulador do principal setor da economia portuguesa, depois de o ter tutelado e nomeado quem o fiscalizará. Mais do que o respeito pelas instituições, há o respeito pelos portugueses, que não merecem tamanho golpe, especialmente nestes tempos com tanto de difíceis quanto incertos.