Cobrir a OPA chinesa à EDP tem sido uma experiência algo bizarra. Parece uma série da Netflix. Começou como uma trama de ação (alguém está ao ataque), depois passou para um certo existencialismo – não acontece nada, o que é isto quer dizer? – para logo entrar num cenário de comédia irónica (toda a gente sabe que é uma encenação e ri-se). Agora estamos próximos do epílogo dramático.

Neste estranho guião, a personagem principal tem andado desaparecida. Faz em maio um ano que a China Three Gorges (CTG) anunciou a oferta. Há dois meses, a estatal chinesa disse que ia notificar Bruxelas sobre a operação no final de fevereiro, para tentar obter uma aprovação que é condição de sucesso. Até agora, já em abril, nada. Enquanto o protagonista se remeteu ao silêncio nas últimas semanas, os outros membros do elenco tomaram o palco. O embaixador dos EUA disse ao JE que os americanos vão rejeitar a oferta (outra condição de sucesso). António Mexia anunciou a estratégia para os próximos quatro anos como se a OPA não existisse e até acatou algumas das sugestões da Elliott Management. O fundo ativista, que nega ser um ‘abutre’, ainda conseguiu incluir na agenda da assembleia geral de 24 de abril um ponto sobre o fim da blindagem, ou limite, dos votos dos acionistas.

A aprovação dessa ‘desblindagem’ é outra condição de sucesso da oferta, portanto, se a CTG não atingir esse objetivo poderá declarar aí mesmo a hora de óbito da investida para controlar a EDP. Há algumas semanas reinava a ideia  que a OPA tinha de nascer (ser registada nos reguladores) para depois morrer (com as rejeições de Bruxelas e Washington). Agora surge o plot twist  que a oferta poderá morrer (na AG) antes de nascer.

A CTG sabe, muito provavelmente, que a oferta está condenada, e este poderá ser um fim mais airoso para os chineses do que levar negas dos EUA e da UE. Pequim poderá querer guardar cartuchos para outras batalhas na guerra geopolítica. E assim como é que fica a EDP? Na mesma? Partida aos bocados? Esses episódios serão a base da próxima temporada, que de comédia não vão ter nada.

Em causa está o futuro da maior empresa do país, com importância estrutural na economia, no emprego, na formação e na inovação. Claro que a empresa tem esqueletos no armário (como os CMEC),  mas é crucial que seja tratada como um ativo de topo, mantendo a sua unidade e a sede em Lisboa. Cortar a empresa aos bocados seria um erro, pois reduziria o poder de fogo. Significaria também que os nossos atuais líderes não aprenderam com os descalabros do passado:_a queda do BES, a desmontagem da PT, a venda absurda da Cimpor.

António Costa ‘apadrinhou’ a OPA chinesa à EDP. Mesmo antes do anúncio, disse que o Governo não tem nada que se opor à oferta. O falhanço da operação será, portanto, um revés para o primeiro-ministro. Como todos sabemos, a culpa morre solteira e esperemos que, nas próximas temporadas, os episódios não incluam tristes cenas de Costa a responder numa Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a desintegração da EDP para tentar identificar os responsáveis.

Infelizmente, sabemos também que esse tipo de autópsia não resulta em grandes conclusões em Portugal. A principal realidade que se retira é que, tal como vimos nas CPI sobre o BES, os CMEC_e agora a CGD, o país é liderado por executivos, ministros e governantes que sofrem de amnésia crónica.

“Não me lembro” e “não passou por mim” não são defesa suficiente para quem dá cabo de mais uma joia da coroa portuguesa.